Friday, December 14, 2007

Meme da página 161

Maísa, do vocetalendooque, me inluiu na lista de contatos para participar do meme da página 161. Tal meme propõe para os blogueiros convidados (convocados): 1. pegar o livro mais próximo (não vale qualquer seleção, tem de ser o livro mais ao alcance da mão), 2. abrir na página 161, 3. identificar a quinta sentença com sentido completo da dita página, 4. publicar a sentença encontrada no blog, 5. convocar outros cinco blogueiros para a aventura. Já participei desse meme lá no Boteco Escola, mas não posso deixar de atender a um pedido da Maísa. Vamos lá então. O que encontrei na obra que estava mais ao alcance de minha mão tem a seguinte quinta sentença na página 161:

Gallese and Lakoff summarize their notion of multimodality as follows: "To claim, as we do, that an action like grasping is 'multimodal' is to say that (1) it is neurally enacted using neural substrates used for both action and perception, and (2) that modalities of action and perception are integrated at the level of sensory-motor system itsef and not via higher association areas".

O trecho aqui transcrito está em The Meaning of the Body -Aesthetic of human understanding, obra de Mark Johnson, The University of Chigago Press, 2007. Johnson, filósofo com muito interesse pela filosofia da linguagem, desenvolve uma proposta de continuidade da elaboração de significados sem as separações clássicas de corpo e mente, matéria e espírito, compreensão e percepção, conhecimento e experiência etc. Leitura indispensável para gente interessada em ciências do conhecimento. Recomendo sobretudo o capítulo 11: Music and the Flow of Meaning.

Enviarei o desafio do meme da página 161 para os seguintes blogueiros:

Thursday, December 13, 2007

Aí ... aí ... aí ... aí ...

De uns anos para cá tenho reparado que adolescentes e jovens usam a torto e a direito aís para articular narrativas. Hoje passei por uma adolescente que contava para outra um caso qualquer. A fala da moça esteve ao alcance de meus ouvidos por um minuto. Nesse curto período, a narradora usou uns oito aís: ... falei x para ele ... aí ele me disse ... aí chegou fulana ... aí ele me disse ... aí ... Que está acontecendo? Todos esses aís são um sintoma de empobrecimento do discurso de nossa garotada? Ou o caso é apenas uma moda passageira? Minha desconfiança é a de que há um empobrecimento de linguagem, ou pelo menos algum tipo de preguiça mental, pois tal excesso de aís é indicador de uma fala infantil. Alguém tem alguma explicação mais fundamentada que essa minha desconfiança?

Thursday, November 22, 2007

E os conteúdos?

Em abril de 2005, o The New York Review of Books publicou um artigo que pensei em traduzir. Trata-se de um texto de Roger Shattuck: The Shame of the Schools. Reli a matéria recentemente e achei que a oportunidade de uma tradução integral não é mais o caso. Mas ainda acho que vale a pena divulgar as opiniões de Shattuck, pois elas são um alerta importante para quem anda repetindo alegremente os bordões das atuais modas educacionais.
Em 2000, Roger Shattuck foi escolhido para integrar o conselho de uma escola de ensino médio no Estado de Vermont, USA. Surpreendeu-se com as muitas demandas burocráticas que precisam ser atendidas por conselheiros numa escola. Surpreendeu-se mais ainda porque o conselho nunca discutia currículo e programas de estudo. Resolveu-se inteirar-se sobre o que estava sendo ensinado. Visitou salas de aula. Mas não conseguiu formar uma boa idéia do que estava acontecendo. Voluntariamente ingressou na comissão de currículo da escola, representado o conselho comunitário. Descobriu que importantes decisões curriculares eram orientadas por documentos no nível estadual e distrital. Tais documentos guardam muitas semelhanças com os nossos PCN's (Pârametros Curriculares Nacionais).
Oa analisar os guias curriculares, o autor descobriu que os mesmos não propunham planos de estudo, nem listavam conteúdos por níveis ou séries. As orientações eram (e ainda são) introduzidas por declarações de que os alunos devem "examinar, investigar, entender, ou interpretar imensos tópicos intelectuis tais como ficção, natureza e cultura". Os verbos ensinar, aprender e estudar eram insignes ausentes. Em nenhuma parte Shattuck encontrou tópicos tais como "sistema solar", "democracia ateniense", "osmose", "Martin Luther King", e muito menos "Luther" (Martinho Lutero).
Os documentos estudados eram sobretudo apresentações de doutrinas pedagógicas, marcadamente o construtivismo. Para um leitor atento, tais documentos, segundo Shattuck, refletiam certas modas intelectuis do momento como inteligências múltiplas, construtivismo ou aprendizagem por descoberta, aprendizagem personalizada, pensamento crítico ou pensamento de nível mais elevado. Em nenhuma parte dos guias curriculares do Estado de Vermont ou do Distrito de Addison falava-se de conteúdo.
Shattuck mostra que as orientações dos guias curriculares em seu estado e em outras partes dos Estados Unidos refletem um pensamento que se estruturou nos meios da Escola Nova. As teorias mais recentes, como o construtivismo, foram incorporadas ao movimento, mas a ênfase continua sendo a de uma escola centrada no aluno e sem grande compromisso com determinados conteúdos historicamente constituídos e definidores de uma certa cultura. O autor mostra que a principal figura da Escola Nova, o filósofo e educador John Dewey assumiu uma posição radical no início, perfilando ao lado de outros educadores que criticavam a educação acadêmica e qualquer proposição de conteúdos mínimos para orientar propostas curriculares. Mas , Dewey deixou de lado tal radicalismo bastante cedo e propôs uma conciliação entre interesses do aluno e um currículo orientado para determinados conteúdos. Para clarear o ponto, Shattuck cita a seguinte declaração do próprio Dewey:

... A criança e o currículo são simplesmente dois limites que definem um único processo. Assim como dois pontos definem uma linha reta, o presente estado de conhecimento da criança e as verdades dos estudos definem a instrução. Isso demanda contínua reconstrução, indo da presente experiência da criança para aquela representada pelo conjunto estruturado de verdades que chamamos de estudos [conteúdos].


Sunday, November 04, 2007

Subsídio sobre ética



Em meu trabalho recente como professor de filosofia, tentei encontrar algumas referências que pudessem facilitar reflexões de meus alunos sobre determinados conteúdos. Acho que encontrei algumas soluções bastante razoáveis no campo da ética. Uma dessas soluções aborda modos de ver o outro, bullying e o primeiro filme da série Shrek. Quem estiver interessado num subsídio sobre a matéria pode ver um breve escrito que cometi em Vendo Shrek com os Óculos da Ética.

Tuesday, October 30, 2007

Educação Moral

Depois de vinte e muitos anos, voltei a dar aulas de filosofia. Faz três anos que ando nessa estrada. Como a matéria é para estudantes do terceiro ano de pedagogia, decidi que seria adequado iniciar o pessoal em quatro áreas do pensamento filosófico muito relacionadas com educação: epistemologia, ética, antropologia e estética. No frigir dos ovos, o tempo é suficiente apenas para abordar as duas primeiras. E acho que já está de bom tamanho. Educadores devem ser sobretudo especialistas em conhecimento, daí a importância da epistemologia. E, é claro, ética é assunto que precisa penetrar profundamente no tecido educacional.
No processo de ensinar estou aprendendo muito, revisando velhos conhecimentos e, acima de tudo, fazendo algumas descobertas que gostaria de compartilhar com outros educadores. É possível que algumas de minhas descobertas não sejam novidades para educadores bem informados. Assim, algumas das coisas que me fascinaram recentemente podem ser apenas superação de minha ignorância. Revelo aqui uma delas. Preocupado em descobrir temas, autores e ênfases que pudessem encantar meus alunos acabei descobrindo um autor fundamental no campo de educação moral. Trata-se de Lawrence Kolhberg, psicólogo que elaborou uma proposta desenvolvimentista de educação moral que abre portas interessantes para a ética no espaço escolar. Traduzi um dos artigos de Kolhberg que mostra a importância de uma moral baseada em princípios, estabelece seis níveis de desenvolvimento do pensamento moral, e propõe estratégias muito adequadas para o uso de julgamentos morais como ferramenta para fazer avançar níveis de moralidade entre os estudantes. Vale a pena conhecer. Posso encaminhar, para estudo individual, cópia da tradução que fiz. Se você tiver interesse, pode me solicitar o material por meio de mail para jarbas@sdsualumni.org .

Monday, October 22, 2007

Maravilhas multissensoriais da geração internet


Imprensa e alguns acadêmicos apressados chamam nossa atenção para uma suposta capacidade desenvolvida pelos "nativos digitais" (a moçada que desde criancinha usa as novas tecnologias de informação e comunicação). Segundo as mencionadas fontes, nossos jovens são capazes de simultaneamente estudar, ver TV, curtir um som e navegar pela intenet. A lista de apelos multissensoriais atendidos ao mesmo tempo pode variar, mas sempre inclui pelo menos três itens. Da observação de que a nova geração estuda em ambientes com apelos multissensoriais alguns observadores chegam à conclusão de que nossas crias desenvolveram uma capacidade até então ausente: a capacidade de processar, ao mesmo tempo e com competência, diversas e disparatadas fontes de informação. Muita gente acredita nisso (confesso que já levei a sério a mencionada conclusão). Mas há aqui uma confusão: a partir do fato de que adolescentes de nosso tempo estudam (ou tentam estudar) cercados por muitas fontes ativas de informação ou entretenimento, chega-se à conclusão de que os pimpolhos estão processando tudo ao mesmo tempo. Mas os autores de tal afirmação não apresentam qualquer prova de um processamento multissensorial de sucesso. Muito menos fornecem quadros comparativos de resultados de aprendizagem entre estudantes que se concentram e estudantes que pegam no trampo com tudo ligado.
Essa questão mereceu um alerta recente de meu velho amigo Bernie Dodge. Entre outras coisas, Bernie observa de que apesar das muitas mudanças ambientais causadas pelos novos meios de informação e comunicação, não há qualquer evidência de que os cérebros de nossas crias tenham sofrido algum salto evolutivo. Assim, elas não têm qualquer capacidade diferente das capacidades de processamento de informação das gerações anteriores. Veja a matéria toda no blog do Bernie. O post do meu velho amigo faz duas referência que merecem uma olhada. A primeira é um post de Alex Dodge sobre o laptop como distrator, em vez de bom recurso para anotações, durante uma exposição. Alex, aluno de ciência do conhecimento num dos templos de alta tecnologia, a Universidade da Califórnia em SanDiego, não leva mais seu computador portátil para as aulas. E não pensem que Alex é algum luddita ou seguidor das idéias de Valdemar Setzer. Ele usa computadores desde os quatro anos de idade. As observações de Alex estão aqui. A segunda é um artigo on line de Jamie MacKenzie. Espero que este post agite um pouco o assunto. Se você chegou até aqui não deixe de comentar o tal fenômeno. Ainda há muita coisa que dizer sobre o dito cujo.

Wednesday, October 17, 2007

Tecnicismo bobo


O tecnicismo bobo se manifesta de várias formas. É fácil vê-lo em conversas de professores que se encantaram com máquinas e equipamentos, esquecendo-se de que gente é muito mais importante. Mas não vou falar aqui de educação e escolas. Vou falar de um caso de tecnicismo no campo da economia e do trabalho. Volta e meia aparece alguém criticando o excesso de feriados no Brasil. Tais críticas fundam-se e supostas necessidades econômicas de maior produção e mais produtividade. Parece coisa séria. E confesso que já achei que esse tipo de crítica tinha algum mérito.
Neste momento acabo de ler um trecho de The Myth of the Machine, de Lewis Mumford, no qual o autor faz uma defesa bem fundamentada dos dias santos na Idade Média. Em certas regiões da Europa, o número anual de dias santos ultrapassou a casa dos cento e cinquenta dias. Gente folgada? Não, gente que sabia que a vida não era só produzir. As muitas festas religiosas (quase sempre com atividades de música, teatro, dança e lazer) da Idade Média davam aos trabalhadores oportunidades de "gozar a vida". E a quantidade enorme de feriados na época não implicava em fome ou mais pobreza, a sociedade européia de então produzia mais do que o necessário.
Acusar os brasileiros de "folgados" e cobrar uma diminuição dos feriados nacionais, locais e dias santos é uma bobagem moralista de gente que, no fundo, vê o trabalho como uma atividade disciplinadora. Viver não é só produzir. Viver é, muito mais, gozar a vida.
Vale registrar que não somos um país de "folgados". Em média trabalhamos muito mais que diversos povos. E em algumas áreas nossos trabalhadores têm desempenhos excepcionais. Veja-se, por exemplo, o caso dos cortadores de cana. Mas isso não é nenhuma vantagem. Há bastante tempo o corte de cana deveria estar mecanizado (há tecnologia para tanto). Há quem alegue que o corte manual da cana garante empregos. Uma barbaridade. Um trabalho desumano é defendido como forma de garantir ocupação para uma parcela dos deserdados da sorte... Mas, com tanta tecnologia, será que não seria possível criar empregos mais decentes para gente que hoje se vê obrigada a bater recordes de produtividade nos canaviais brasileiros?
Há uma promessa antiga de que o progresso traria mais tempo livre. E o que vemos? Gente estressada, querendo fazer mais e mais, sem folgas, sem diversão,sem prazer de viver, sem jogar conversa fora, sem bater uma bolinha semanalmente, sem fandango, sem papos despreocupados comos amigos, sem umbigo encostado no balcão da padaria para tomar a saideira de sempre, sem um cineminha do bom, sem vadiagem numa praia qualquer, sem vida bem vivida enfim. Já é hora de discutir tal questão. Afinal de contas, parece que o avanço tecnológico de nossa época pode nos ajudar a diminuir significativamente o tempo de trampo para ganhar a existência. Com isso ganharíamos mais tempo livre, mais oportunidade de gozar a vida.

Monday, September 17, 2007

Os congressos estão acabando?

Acabo de voltar de um congresso, a VII Jornada Catarinense de Tecnologia Educacional. E voltei com a sensação de que os congressos estão com os dias contados. Em todas as palestras e seminários da Jornada muitas pessoas chegavam com grande atraso, algumas saíam e entravam constantemente durante as sessões, muitas saíam antes do encerramento dos trabalhos. Já venho observando tal comportamento há algum tempo.
Alguém poderá dizer que a falta de atenção do público nas sessões de congressos é função da capacidade dos conferencistas em manter o interesse das platéias. Acho que isso explica o fenômeno em parte. Mas, tanto na Jornada com em outros eventos, o entra e sai dos participantes aconteceu também com conferencistas reconhecidamente competentes.
Acho que explicação mais plausível pode inpirar-se numa observação de Neil Postman em Amusing Ourselves to Death. Postman observa que é cada vez menor a capacidade das pessoas em acompanhar durante muito tempo (algo superior a dez minutos) exposições orais logicamente bem arranjadas. Essa capacidade exige gosto por um pensamento analítico mais ou menos rigoroso. Exige certa disciplina intelectual. Exige atenção continuada. Parece que os novos paradigmas de comunicação não favorecem a mencionada capacidade.
Novos formatos de comunicação, sobretudo os utilizados pela TV, pelo cinema e pela internet, não promovem análises logicamente estruturadas. Não promovem exercícios mais exigentes de raciocínio. O público se acostumou a informações muito sintéticas comunicadas em pequenas doses. Acostumou-se também a informações empocatodas em contextos fortemente emocionais - as informações que recebemos via novos meios de comunicação têm por objetivo mais emocionar que fazer pensar.
Os modos de informar predominantes nos meios de comunicação acabaram contaminando a educação. Qualquer exposição mais ou menos longa é vista com certo horror por educadores e educandos. É cada vez menor a chance de se desenvolver nas escolas o gosto por apresentações com rigor lógico e tempo necessário para um encadeamento de raciocínio que dê conta do recado.
Sem número representativo de pessoas capazes de acompanhar com proveito apresentações mais ou menos longas e estruturadas com certo rigor lógico, acredito que os grandes cogressos perderão sentido e desaparecerão. Restarão alguns pequenos eventos para especialistas.
Haverá espaço para grandes eventos? Talvez sim. Mas, inteiramente mudados. Possivelmente os novos caminhos incluam coisas tais como: teatralização das apresentações, oficinas, seminários para pequenos grupos, apresentações apoiadas por música. Não ouso apresentar um lista completa de alternativas. Mas sinto que o formato de grandes eventos que valorizam o pensamento analítico é uma espécie em extinção.

Saturday, September 08, 2007

Pesquisa sobre webQuest

Quem estuda WebQuest sempre pergunta sobre explicações acadêmicas a respeito da criação do Professor Bernie Dodge. A resposta costuma ser sempre a mesma: não há ainda um número representativo de estudos sobre a matéria. Mas isso vem mudando no mundo todo. Em muitas universidades as WebQuests estão sendo objeto de estudo em dissertações de mestrado e teses de doutorado. Acompanhei alguns desses estudos no Brasil. Recentemente foram defendidas dissertações de mestrado sobre WebQuest na Universidade Federal de Alagoas, na Universidade Rural de Pernambuco, na Universidade Estadual de Campinas e na Universidade Federal de Santa Maria, RS. Acabo de descobrir mais uma pesquisa na mesma direção. Trata-se da dissertação " A concepção da pesquisa no cotidiano escolar: possibilidades de utilização da metodologia WebQuest na educação pela pesquisa", de Luciano Roberto Rocha, defendida este ano na Universidade Federal do Paraná. Para ver uma versão integral da mencionada pesquisa clique aqui.

Recado para o Renan


Acabo de receber a informação numa das listas das quais participo. O recado é do meu amigo Antônio Morales. Vale a pena ver e ouvir versão de Naquela Mesa, com letra dedicada ao presidente do senado, suas vacas, e seus laranjas.

Para tanto, clique aqui.

Tuesday, August 07, 2007

Um texto imperdível

Em minhas aulas sobre epistemologia, cansei-me de ouvir alunos de pedagogia declararem que o conhecimento é "o conhecimento de cada um". Algumas vezes, quando a paciência ia embora, eu declarava que para quem assim pensa a educação é impraticável, desnecessária, supérflua. Mas acho que meus estudantes não entendiam a provocação. Possivelmente nunca consegui passar para eles, com clareza suficiente, as razões de minha crítica a um pseudo construtivismo que esvazia a educação de significado. Agora tenho algo que dá conta do recado. No blog De Rerum Natura, João Manuel e Helena, redigiram um texto imperdível sobre a matéria. Não deixe de ler esse alerta indispensável para todas as pessoas que se importam com educação: clique aqui.

Monday, August 06, 2007

Escola modernosa

Semana passada ouvi uma história que preciso contar aqui. A mãe de uma criança que frequenta certa escola privada, vinculada a uma famosa grife de ensino, me contou um episódio interessante. A professora da 5ª série passou, para as férias (?) de julho, trabalho de "pesquisa" com as seguintes características:
  • a tarefa deveria ser feita por um grupo de quatro alunos;
  • cada grupo deveria escolher um esporte que integrava os jogos pan-americanos do Rio de Janeiro;
  • as crianças deveriam descrever os principais movimentos corporais do esporte escolhido;
  • com base na descrição do esporte, os alunos deveriam investigar na internet quais os músculos envolvidos nos principais movimentos corporais típicos do esporte escolhido;
  • o grupo deveria preparar uma comunicação escrita e ilustrada sobre o esporte escolhido, movimentos típicos e músculoes envolvidos.
A mãe (uma profissional da área de saúde, formada pela USP) que me contou a história acha que tal tipo de modernidade é pura perda de tempo. Mas ela não se dispõe a reclamar. Em outras situações parecidas, as pedagogas da escola lhe disseram que ela não entende de educação, nem tem boas informações sobre as novidades pedagógicas de cunho construtivista e com farto uso de tecnologias. Em cooperação com outras mães, ela acabou levantando os dados mais relevantes via internet e os indicou para as crianças. Provavelmente a professora recebeu uma colagem de textos e figuras encontráveis na web.
Acho que o episódio dispensa cometários. Seguramente tal tipo de atitude dos educadores converte pesquisa em ato burocrático, desagradável, sem alma. As crianças aprenderão a lição a passarão a odiar qualquer aventura investigativa. Uma pena...

Tuesday, July 31, 2007

Fascínio Tecnológico Emburrecedor

Numa comunicação sobre impactos das TIC's na educação, meu amigo e irmão de fé, Steen Larsen teceu comentários sobre a ambivalência do fascínio tecnológico. Para o grande educador dinamarquês, há um fascínio que aliena as pessoas (emburrece, no meu vocabulário de caboclo da roça), há um fascínio que abre caminhos para mais admirar as qualidades inventivas de nossa espécie. Na linha do primeiro tipo de fascínio, gurus da informação - Peter Drucker, por exemplo - prometiam uma superação do fordismo, do mecanicismo da linha de montagem. Falavam em invoção. Pintavam um novo mundo produtivo no qual o bem maior seria o conhecimento. Etiquetavam como conservadores todos aqueles que ousavam manifestar incertezas quanto ao rumo que as coisas iam tomando nos meios produtivos. Aproveitavam o fascínio emburrecedor para vender como positivas as mudanças que provocaram desemprego e diminuição de postos de trabalho. Argumentavam que as tecnologias da informação estavam criando uma nova economia e, consequentemente, uma nova paisagem na formação profissional, no exercício profissional e nas relações de trabalho. Consultores de RH repercutiam essas idéias falando em gestão do conhecimento, agregação do valor conhecimento a produtos, e quetais. Durante todo esse tempo, muita gente me acusou de atrasado por causa de minhas críticas e desconfianças.
Esta semana soprou para os meus lados um vento fresco sobre a matéria. Acabo de ler, no New York Review of Books, um artigo em que Simon Head esclarece que nem tudo são flores na relação entre novas tecnologias e trabalho. O autor mostra como o uso de tecnologias de microinformática, em vez de tornar o trabalho mais livre e inteligente, vem sendo uma ferramenta de maior controle do trabalhador e de rebaixamento salarial. Os comentários de Simon Head usam como referência três obras publicadas recentemente: The Social Life of Information, de John Seely Brown e Paul Duguid, Bait and Switch: The (Futile) Pursuit of the American Dream, de Barbara Ehrenreich, e The Culture of the New Capitalism, de Richard Sennett. Achei que a matéria merecia destaque aqui no Aprendente. Minha convicção ganhou maior força quando vi que o importante Portico já fez isso. Quem quiser ver um bom comentário sobre o artigo de Head pode clicar neste link.
Depois que vi a nota publicada no Portico, pintou um complexo de michamento: não consigo produzir algo com qualidade similar; melhor nem tentar. Mas a matéria merece maior divulgação. Por isso, em vez de produzir mais uma nota, vou publicar, devidamente traduzidos, alguns trechos do artigo de Simon Head. Aguardem.

Friday, July 13, 2007

Por causa de uns bagrinhos...


Semanas atrás ouvi no rádio comentário de que Lula reclamava da resistência dos ambientalistas à construção de barragens no rio Madeira. No seu estilo peculiar, o presidente declarou que obras importantes para o desenvolvimento do país estavam paralisadas por causa de uns bagrinhos. Parece que o atual ocupante do Palácio da Alvorada acha que a sobrevivência de espécies importantes de peixes (no Madeira não há somente bagres...) pode ser deixada de lado em nome do progresso.E mais, acha que a construção de tais mega barragens é o único caminho para garantir energia para a nossa economia. Nem ele nem os principais interlocutores sobre a economia do país abrem a discussão para alternativas. Entendem que a geração de energia tem de ser sempre produto de obras gigantescas.
Todas essas minhas considerações sobre os bagres do Lula nasceram de uma leitura recente. Em artigo do New York Review of Books, Tim Flannery, comenta um livro muito interessante: The Omnivore Dilemma: A Natural History of Four Meals. Flannery mostra que toda a cadeia alimentar dos americanos depende basicamente de um único cereal: o milho.Você pode não ver milho num McDonald, mas todos aqueles sandubas lá servidos têm carne e queijo de animais (vacas, porcos, galinhas) alimentados por ração à base do referido cereal. É possível ver as pistas que o milho deixa no organismo por meio de um exame químico que determina a presença de certas estruturas de carbono. Exames dessa natureza mostraram que há mais traços de milho em americanos que em mexicanos (e olha que os mexicanos não dispensam uma boa tortilla de milho por nada neste mundo).Em pelo menos um quarto dos 45.000 e poucos diferentes itens vendidos em supermercados dos EUA há presença de milho.
O império do milho tem graves conseqüências. A prática de monocultura nas regiões produtoras empobrece o solo. A cultura quase que exclusiva do milho em algumas regiões e exigências de produtividade cada vez maior geram dependência crescente de defensivos agrícolas (produtos químicos nem sempre muito saudáveis). Além disso, o sistema vai expulsando do campo ou convertendo em devedores crônicos os pequenos agricultores.E na roça, o império do milho não é um sucesso econômico. Flannery observa que no estado de Iowa, os agricultores gastam US$2,50 para produzir um bushel (medida agrícola americana semelhante ao nosso velho jacá) de milho, mas recebem dos moinhos apenas US$1,45 pela mesma medida do cereal. Para manter o esquema, o governo federal gasta milhões em subsídios agrícolas. [BTW, esse é um dos motivos de conflito comercial entre Brasil e EUA; a matriz quer que escancaremos completamente nossa economia mas não abre mão de sustentar o falido sistema dos seus milharais]
Um aspecto narrado pelo articulista mexe com nossa sensibilidade. Na maior parte dos casos, o gado de corte americano é estabulado. Ou seja, passa toda a sua vida de desenvolvimento e engorda de pé, preso e quase imóvel num espaço minúsculo, frente a um cocho. E adivinhem? Nos cochos a ração servida à vontade é baseada em milho. Os compostos alimentares desse cereal engordam o gado mais depressa. Mas, vacas e bois não são comedores de milho. Comem a gororoba porque estão presos frente ao cocho. Por causa de tal dieta, os bichos costumam ter muitos problemas estomacais. Solução: baterias de antibióticos. Uma outra coisa: estabulados noite e dia, bois e vacas vivem literalmente sobre suas próprias fezes. Essa circunstância aumenta muito o número e diversidade de bactérias no pelo dos bichos. Esse é um problema que exige cuidados especiais na hora de abater o gado para consumo. Riscos de contaminação da carne são muito maiores em bichos que vivem nos estábulos. Esse não é o único modo de produzir carne, os animais poderiam ser criados mais naturalmente, pastando em campos com boa variedade de gramíneas. Nos campos agrícolas da terra do Tio Sam, a diversidade de capins deu lugar a uma única grama: o milho. "Mas para que tanta grama diferente?" diria nosso presidente, imbuído pela neo-verdade liberal de que há um único caminho.
Depois de examinar os muitos males causados pela monocultura do milho nos EUA, Flannery mostra que a produção de alimentos não precisaria necessariamente acontecer nos moldes em que ela ocorre hoje no país do norte. Há alternativas mais sadias de produção de alimentos. Mas elas implicam em modelos diferentes de tamanho e manejo de propriedades rurais. Elas também eliminam boa parte da necessidade de itens alimentares que viajam centenas e até milhares de quilômetros para chegar ao consumidores. Eventualmente poderiam custar um pouco mais, caso não contassem com os generosos subsídios governamentais concedidos a produtores e indústria do milho. As produções alternativas de alimentos, obviamente, enfrentam grandes dificuldades. Apesar de se basearem em maior equilíbrio da Natureza e numa economia que dá mais espaço para negócios da comunidade local, elas vivem à míngua ou são vistas apenas como excentricidades de intelectuais desocupados.
Volto aos bagrinhos. O que tem a ver a história do milho com a filosofia do presidente? Tudo a ver. Lula está convencido de que não há alternativa, as barragens do Madeira precisam ser construídas. Junto com seus assessores e ministros não vê qualquer outra possibilidade de geração de energia. Fica com a solução única gestada pelos gênios neo- liberais aqui da terra. Além da questão econômica, os bagrinhos do Lula colocam a nu outro aspecto dos modelos hegemônicos: a vida importa muito pouco. Perder diversidade de espécies é para essa gente apenas um pequeno detalhe. Essa gente acha que pode colocar a Natureza de joelhos. E se pode a coloca. É muita arrogância ignorante. Por isso, sempre achei que todos os cidadãos, presidente da república incluso, deveriam saber mais biologia.
Se você chegou até aqui deve estar se perguntando o que este post faz num blog voltado para tecnologia educacional. Eu acho que o dito cujo está num espaço adequado. As duas histórias, a do bagrinho e a do milho, nos mostram diversos aspectos que têm tudo a ver com educação. Em primeiro lugar mostram como é importante o conhecimento de biologia, ciência muitas vezes marginalizada nos currículos escolares. Mostram que, em diversas instâncias de decisão política, nossas lideranças não pensam em alternativas nem abrem espaço para discussão sobre outros modos de encaminhamento. Saber disso e examinar as questões com conhecimento de causa são condições necessárias para exercício da cidadania. Ou, colocando as coisas de uma outra maneira, gente ignorante em ciências tem parte importante de sua cidadania alienada, achando que a história dos bagrinhos do Lula é apenas folclore, ou que o imenso milharal do nosso irmão do norte é uma fatalidade determinada por clima e economia. Nossos alunos estão aprendendo ciência suficiente para entender o significado da história dos bagrinhos, e os males biológicos e econômicos das monoculturas?

Friday, July 06, 2007

Uma hora sem celular


Proponho um desafio difícil: fique uma hora sem celular. Usuários do aparelhinho que os deixa ligados o tempo todo não estão prontos para tal sacrifício. Não vão querer desconectar-se, mesmo que seja por um período de apenas sessenta minutos. Exagero? Não. Muitos dos meus alunos são incapazes de tal gesto durante as aulas. Essa incapacidade vem sendo observada em cinemas, teatros, elevadores e até igrejas.
Dia quatro último, em sua coluna na Folha, Ruy Castro nota que dentro de um mês teremos um celular para cada dois habitantes da Terra. Ao dar tal notícia, Castro revela certo otimismo ao observar que "de cada duas pessoas no planeta, restará uma que não sente ânsias de comunicação o tempo todo, não aceita ficar disponível 24 horas por dia, e não corre o risco de constranger os artistas deixando seu aparelho tocar no meio da platéia do Teatro Municipal". Mais à frente, o autor confessa que tal otimismo não está bem fundamentado pois, logo após o empate entre os com e os sem celular, os primeiros começarão a ser maioria, uma vez que o ingresso de celulares no mercado continuará a crescer.
A ânsia comunicativa dos usuários de celular é um fenômeno relativamente novo. Há uns vinte anos ninguém sentia falta de uma ligação contínua. Hoje muita gente sequer pensa em separar-se do aparelhinho por alguns intantes. O novo hábito é objeto de muitas histórias folclóricas. Mas a ênfase em episódios engraçados ou ridículos acaba escondendo o principal: os usos do celular em nossa sociedade desqualificaram muitas outras formas de comunicação humana. Isso tem implicações éticas e educacionais importantes. Quando dão preferência à uma chamada no celular durante um papo num café, amigos nossos reclassificam as relações de amizade.
Não vou examinar situações em que a prioridade concedida a chamadas do celular sinaliza mudanças de significado em encontros humanos. Para encerrar, vou apenas revelar algumas das situções que me deixam irritado por serem extremamente mal educadas:
  • Atender ao celular, num elevador cheio de gente, e conversar livremente com o parceiro ou a parceira sobre a "ficada" de ontem.
  • Falar baixinho ao celular durante uma aula, possivelmente achando que os sussurros comunicativos não vão pertubar professor e colegas.
  • Colocar o aparelhinho ligado em lugar de destaque sobre a mesa onde será servido o jantar num restaurante bem transado.
  • Usar o aparelhinho durante caminhada num parque nas primeiras horas da manhã.
Se você se lembrar de mais situações irritantes, sinta-se à vontade para registrá-las aqui nos comentários.

Monday, June 25, 2007

Um texto para ler e meditar

Publiquei uma tradução das páginas finais de Left Back, livro de Diane Ravitch sobre os equívocos da Escola Nova. Vale a pena conhecer tal material. Se você for curioso e quiser saber mais, dê um pulo lá em 6. A Importância das Escolas.

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Sunday, June 24, 2007

Educação com conteúdo


Acabo de ler um livro fundamental: Left Back: a century of failed school reforms, de Diane Ravitch. A autora narra e analisa as aventuras das reformas educacionais acontecidas nos últimos cento e cinquenta anos nos EUA. O foco principal do livro é uma crítica ao escolanovismo, um ideário pedagógico ainda hegemônico. Embora o estudo de Ravitch refira-se aos Estados Unidos, boa parte dos comentários que ela faz servem como uma luva para a educação no Brasil.
A Escola Nova, ao criticar o autoritarismo e outros males do ensino tradicional, jogou fora água, banheira e nenê. Jogou fora principalmente o conteúdo. Centrou tudo no aluno, inclusive o saber. Com isso, patrimônio comum da cultura humana deixou de ser riqueza que a escola deveria tentar repassar para as novas gerações. Hoje, travestido de (suposto) construtivismo, esse movimento continua. Se o aluno "não se interessar", conteúdos importantes ficam fora das cogitações escolares. E se alguém propõe ensino destes conteúdos, logo é lembrado de que a escolha é do aluno, não do professor ou de outros agentes da educação. As consequências desse script que atribui ao aluno todos os papéis ativos do aprender podem resultar em empobrecimento cultural, ignorância histórica, embrutecimento de boa parte da população, irracionalismo, anti-intelectualismo, diminuição de possibilidades de exercício da democracia etc.
Conservo aqui neste comentário o tom forte e polêmico que a Professora Diane Ravitch imprime a seu livro. Acho que vale a pena considerar tal crítica. A fé escolanovista, hoje recristianizada sob o rótulo de construtivismo, precisa ser contestada, pois ela empobrece a educação.
Dianne Ravitch realiza debates regulares com a educadora Deborah Meier por meio do blog Bridging Differences, mantido pela revista Education Week.

Thursday, June 21, 2007

Voto Vale

Este blog tem como alvo principal Tecnologia Educacional. Mas, muito de vez em quando, posto aqui algumas coisas que "rolam pelo mundo". Talvez devesse postar mais sobre estes outros assuntos. E no momento, tenho um bom motivo para tanto. No affair ética no senado, procurei um modo de participar. Fiz isso por meio de e-mails aos senadores que ajudei a eleger com meu voto. Mas minha primeira mensagem ficou muito palavrosa e sem a contundência necessária. Ontem mandei uma mensagem que, acredito, passa de modo sintético e significativo o alerta que nossos representantes precisam receber. Escrevi simplesmente:

VOTE COM SEUS ELEITORES

Deixo aqui a sugestão. Se você a acha adequada, não deixe de mandar o recado para os senadores que se elegeram com seu voto. Afinal de contas voto vale.

Sunday, June 17, 2007

Mais WebGincanas

Há mais WebGincanas no ar. Se você quiser ver outros exemplos desse modo de organizar a informação em usos educacionais da Internet , apareça no Boteco Escola, numa roda de conversa cuja entrada pode ser feita por meio deste link.

Wednesday, June 13, 2007

Uma WebGincana sobre o sangue


Meus alunos da Licenciatura estão finalizando seus relatórios de aplicação de WebGincanas. Espero ter bastante dados para alimentar posts sobre um modo de organizar informações que pode facilitar usos estruturados da Web para fins educacionais. Entre as WebGincanas "em teste" há uma que se chama Sangue é Vida. Foi aplicada num programa de Universidade da Terceira Idade, mas ainda não tenho em mãos o respectivo relatório de aplicação.
Sangue e Vida é uma idéia interessante que poderia ser aproveitada como programa educacional numa campanha com o objetivo de mais informar possíveis doadores. A WebGincana em tela utiliza um ambiente de palavras cruzadas para registro das respostas às onze primeiras questões do Desafio. Vale a pena dar um olhada no material. E seria muito bom, para mim e para o grupo-autor, receber comentários, apreciações, críticas e perguntas de prováveis leitores.

Saturday, June 09, 2007

Pesquise na Internet

O pedido ou ordem que aparece no título deste post é um dos indicadores de modernidade no ensino de nossos dias. Ou, pelo menos, é o entendimento de modernidade que predomina na mídia quando se fala em usos das novas tecnologias de informação e comunicação. Muita gente deve se lembrar de uma propaganda que tem tal indicador como fundo. Trata-se de uma história para promover um provedor de banda larga. No final da história, uma criança, que não possui a maravilhosa novidade, é apresentada como um menino das cavernas entregando sua "pesquisa" gravada em blocos de pedra. Já a criança cujo pai assinou aquele serviço da internet apresenta um volume imenso de páginas com muito texto e belas imagens.

Esse modo de mostrar as virtudes da modernidade é recorrente. Já o vi, por, exemplo, num vídeo educacional do Senac que aponta diferenças entre a antiga e a nova secretária. A primeira tem um trabalho triste, dominado por máquinas velhas, lentas, feias. A segunda vive num ambiente de trabalho alegre, e usa máquinas reluzentes, rápidas, lindas.

No ano 2000, em visita à Universidade de Guadalajara, recebi um vídeo institucional sobre trabalho docente. Nas primeiras cenas, em um mundo triste, preto e branco, o professor desastrado entra na sala de aula com uma valise surrada e usa um quadro negro que vai quebrando em pedaços o giz que não "pega". Total desinteresse dos estudantes. Nas cenas finais, brilhantemente coloridas, o mestre alegre usa datashow, encanta os alunos entusiasmados pelo que é ensinado. Há, ao que parece, um padrão único de script para todas essas histórias sobre modernidade em educação. Mas não vou analisar toda a paisagem. Quero apenas registrar observações sobre utilizações da internet.

Num post recente (04/06/2007), meu amigo Bernie Dodge tenta, mais uma vez, mostrar que não é um expert em Triângulo das Bermudas. A razão para esse cuidado do Bernie é o grande número de pedidos que ele recebe, via e-mail, de auxílios para trabalhos escolares sobre o misterioso (pseudo) fenômeno que alimenta diversas lendas sobre sumiços de aviões e barcos em certo trecho do oceano. E por que alunos de diversas escolas recorrem ao professor da San Diego State University? Porque uma velha sinopse de WebQuest que tem o Triângulo das Bermudas como um chamariz para investigações de caráter científico, confrontando mito e história, continua no ar. E em tal página, Bernie aparece como coordenador do trabalho (instructor). A sinopse não apresenta nenhum conteúdo sobre o suposto mistério do Triângulo da Bermudas. Apenas delineia possíveis caminhos que os autores da WebQuest deveriam percorrer para chegar ao produto final. Mas alunos de várias escolas continuam a recorrer ao Bernie como fonte para "projetos" que têm o misterioso fenômeno como alvo. O pedido mais recente é o de um aluno de 7ª série que está produzindo um documentário sobre o famoso Triângulo. Como acha que descobriu via internet que Bernie é um expert no assunto, o interessado solicita uma entrevista via e-mail e quer resposta rápida pois o trabalho precisa ser entregue logo (dois ou três dias).

Situação parecida com a do professor da San Diego anconteceu com o Dr. Aquiles Von Zuben, da Unicamp. Aquiles mantinha um site sobre bioética, com materiais de interesse para seus alunos de filosofia no doutorado em educação. Volta e meia, estudantes de ensino médio pediam ajuda do professor da Unicamp via e-mail e fazendo referência ao site sobre bioética. Eis aqui um desses pedidos:

Prezado Professor Aquiles,
Sou aluno de curso médio. Procurei o sentido da vida na Internet. Nada encontrei. Mande-me, por favor, uma resposta. Nada muito longo. Bastam duas páginas. E mande logo, tenho de entregar o trabalho na próxima terça. Abraço,
Fulano de Tal.

O texto é autêntico. Eliminou-se apenas o nome do aluno e alguns erros gramaticais foram corrigidos.

Os dois casos aqui narrados retratam um padrão muito frequente nas escolas. Um professor, convencido de que seus alunos devem usar novas tecnologias, faz o grande pedido: pesquisem x (sentido da vida, Triângulo das Bermudas etc.) na internet. E os alunos acionam os poderosos buscadores. Aparece uma lista imensa de fontes. Algumas dessas fontes são aproveitadas. Em muitos casos, professores, autores ou pesquisadores citados nas páginas listadas são convidados a colaborar. Mas, como mostram os casos de Bernie e Aquiles, os pedidos de ajuda não são bem informados. São mais mensagens de socorro emitidas por náufragos da internet. Tais resultados são consequência de um entendimento que o saber nascerá automaticamente de usos não estruturados das novas ferramentas de informação e comunicação. Isso indica a necessidade dos professores dominarem modelos (andaimes, mapas, scripts, roteiros) capazes de fornecer apoio suficiente para pesquisas bem feitas e significativas.Caso contrário, os náufragos do imenso mar informacional da rede internacional de computadores continuarão fazendo consultas equivocadas a professores como Bernie e Aquiles.

Ambos os casos sinalizam uma outra coisa. A página de Aquiles não era um sítio dedicado a questões como o sentido da vida. Era um repositório de textos e informações filosóficas. A página sobre Triângulo das Bermudas, construída por alunos do mestrado da SanDiego State University, não é uma fonte de informação sobre o assunto. É um roteiro de planejamento de tecnólogos educacionais. Leitores competentes jamais concluiriam, num ou noutros caso, que o coordenador da página era um expert no assunto pesquisado. Os pedidos de socorro feitos aos dois professores universitários aqui citados são sintomas ou de dificuldade de leitura ou de uma leitura muito desatenta. De qualquer forma, ambos os casos indicam problemas de leitura nessas atividades que as escolas convencionaram chamar de "pesquisa".

Cabe aqui uma observação sobre o sentido de urgência que domina nosso tempo. Os alunos consultantes querem respostas rápidas, pois os resultados precisam ser apresentados logo. Quando o professor Aquiles me contou a história aqui narrada, fez a seguinte observação: "filosofo há mais de quarenta anos sobre o sentido da vida, ainda não encontrei qualquer resposta satisfatória, aí aparece esse menino e quer uma solução imediata para o problema".

Os casos aqui contados sugerem muitos caminhos de conversa e investigação nos meios educacionais. Indiquei apenas um começo.

Tuesday, April 17, 2007

Gente nova e Ntic's

A idéia predominante é a de que as novas gerações estão muito bem alfabetizadas nas mais recentes tecnologias da informação e da comunicação. Nessa batida, é comum o comentário sobre a falta de jeito dos professores (sobretudo os que já ultrapassaram o Rubicão dos quarenta) com computadores e assemelhados. Aceitei tal panorama durante muito tempo. De uns tempos para cá ando achando que tal modo de ver as coisas é um equívoco. É verdade que os jovens operam equipamentos eletrônicos com mais desenvoltura. Daí não decorre necessariamente que eles tenham idéias avançadas em termos de novos modos de se comunicar. Num ambiente como a Web, fazer comunicação de modo completamente novo está a exigir muita imaginação e criatividade dos autores. E eu acho que a grande maioria das pessoas ainda usa e vê a Web com olhos da Galáxia de Gutemberg. Exemplo: em seus blogs, a maioria dos meus alunos escreve posts como se estes fossem um conteúdo para o velho papel. Links, textos em camadas, integração de mídias, escritos para telas, estilos adequados para publicação eletrônica ainda são um desafio e tanto para todos nós, importando pouco nossa idade. E mais, invenções de modos de comunicação que aproveitem criativamente as possibilidades expressivas das novas mídias não acontecerão necessariamente como função da juventude dos autores. Talvez eu não tenha deixado inteiramente claro o que quero comunicar. Espero que alguém possa entrar na conversa para me ajudar a ver melhor o assunto. De qualquer forma, pretendo voltar à questão em futuros posts.

Tuesday, April 03, 2007

Dodges no Box

Na foto, com falha de flash, converso com June e Bernie Dodge no Box 32, Floripa, 2005. A cena é uma ilustração da tese que venho defendendo ultimamente: os botecos são o melhor espaço público de que dispomos nestes Brasis. Até os estrangeiros concordam com isso. Tal idéia é mais desenvolvida no experimento que estou trabalhando com minhas alunas (e um aluno: Fabiano) do 4º de pedagogia na USJT. Para saber mais, basta chegar até o Boteco Escola.

Tuesday, March 20, 2007

Música e Educação

Algumas de minhas alunas escolheram a relação música/educação como tema de suas monografias de TCC. Tal fato chamou minha atenção, pois a música hoje é um conteúdo quando muito marginal nas escolas. Referências e estudos acadêmicos sobre o tema são escassos. E, quase sempre, a citada relação é entendida como uso da música para apoiar aprendizagens de outros conteúdos. Pouca gente percebe que educação musical é algo que não precisa de justificativa alheia à necessidade humana de fazer arte com sons. Educadores dos dias de hoje possivelmente desconhecem uma referência obrigatória nos meus tempos de estudante de pedagogia: História da Educação na Antiguidade, de Henri-Irénéé Marrou. Nesse livro indispensável, Marrou mostra que, na educação clássica da Grécia, a matéria fundamental era música. Mas com o tempo, mesmo na terra de Homero, a música foi sendo marginalizada dos programas escolares. Recentemente, Howard Gardner (2000), em The Disciplined Mind, exemplifica sua meta de educação voltada para a beleza por meio de um programa de estudos da obra de Mozart. Uma proposta que ainda a espera de terra fétil para germinar.
Nos últimos meses andei lendo algumas obras que podem dar alguma musculatura a propostas de estudos da música nas escolas. Uma dessas obras é o provocante livro de Steven Mithen, The Singing Neanderthals.Mithen traça um panorama instigante da história da música na evolução humana. Em termos de proposta concreta de aprendizagem e apreciação musical na escola, descobri uma jóia. Trata-se de uma narrativa sobre a aventura de um quinteto de sopro em seus encontros com estudantes do ensino fundamental numa escola de Bolton (EUA). Nome da obra: A Well-Tempered Mind: using music to help children listen and learn. Autores: Peter Perret e Janet Fox. Finalmente, como minhas antenas continuam atentas para a relação música/educação, cruzei com dois blogs que me chamaram atenção. Ambos pretendem oferecer um ambiente para reflexões e conversas sobre educação musical.O primeiro deles é o Calists & Connections. O segundo é obra de um pesquisador filandês, Miika Salavuo.

Sunday, March 18, 2007

Audiolivros na Web

Acabo de ver no indispensável BoingBoing notícia sobre gravação de um audiolivro de Origem das Espécies, de Darwin. Com isso, fiquei sabendo que há no ciberespaço um belo trabalho voluntário de gravações de obras de domínio público. Alguns leitores talvez já soubessem de tal coisa há tempos. Mas eu quase sempre estou atrasado quanto às boas novidades na rede mundial de computadores. Aproveitei a dica para escutar trechos de algumas gravações, em inglês e espanhol. Infelizmente ainda não há gravações em português. Os audiolivros podem ser um belo recurso para ensino de idiomas.
A gravação de A Modest Proposal, de Jonathan Swift, é uma delícia. Acho que professores de inglês poderiam usá-la, com muito proveito, nos níveis avançados. Se minha amiga Ana Scatena ler este post, gostaria de saber a opinião dela sobre o assunto. Ah! Quem não conhece ainda o serviço de audiolivros, do qual estou a falar, pode examinar tal preciosidade da rede no LibriVox.

WebGincana na Academia

Amanhâ (19.03.07) converso com um grupo de alunos de pós da PUC São Paulo. Assunto: WebGincanas. É sempre bom a gente verificar como certas idéias são entendidas na Academia. Vamos ver o que rola. Por ora, faço apenas um registro para me compremeter a postar, semana que vem, algumas observações sobre a conversa anunciada.Espero progresso em reflexões sobre a estrutura de organização de informações que venho desenhando nos últimos três anos com o atrativo título de WebGincanas.

Saturday, March 10, 2007

Blog, Café, Boteco


Com o título acima, escrevi uma longa mensagem em Boteco Escola, blog que estou editando para conversar com meus alunos sobre usos dos diários eletrônicos em educação. Não vou repetir aqui o que lá está escrito. Faço um resumo. Blogs são espaços públicos de conversação. Por isso, muitos autores acham que a teoria de Habermas sobre ação comunicativa pode iluminar o sentido de usos democráticos dos blogs. Em seus textos, o filósofo alemão sugere que a forma de conversação nos salões e cafés do século XIX pode fornecer um pista interessante para entendermos o que é um espaço público. E há um detalhe interessante: talvez sem conhecerem as teorias habermasianas, muitos autores deram a seus blogs o título de Cafés. Mas, no caso brasileiro, acho que é melhor ver os blogs como botecos, extraordinários espaços públicos de conversação. Solicito aos amigos comentários sobre esta minha proposta no campo da botecologia. Para tanto, postem seus preciosos comentários em Blog, Café, Boteco lá no Boteco Escola. Agradeço, desde já.

Wednesday, March 07, 2007

A inutilidade dos conhecimentos úteis

É comum a convicção de que a educação deve estar voltada para conhecimentos que os alunos possam aplicar de modo imediato no mundo em que vivem. A maior parte dos educadores aceita essa crença sem qualquer crítica. Mas, contraditoriamente, os conhecimentos úteis são inúteis. Saberes para um aqui e agora são, cada vez mais, saberes descartáveis. Por exemplo, se um estudante aprende certas técnicas de programação de computadores numa perspectiva utilitarista, certamente estará desatualizado assim que receber seu diploma profissional. Conhecimentos úteis são saberes para quem aposta na estabilidade. O saber que vale a pena não é aquele determinado por aplicações imediatas, mas aquele que surge da admiração e inquietude dos agentes de conhecimento. É só olhar para a história: os conhecimentos mais úteis sempre foram aqueles surgidos de buscas desinteressadas.
Se aceitarmos a necessidade de educar agentes de conhecimento que se comprometam com o saber por causa de sonhos, inquietações, admiração, faremos uma educação muito mais útil que aquela preocupada com o domínio de técnicas e fazeres voltados para o imediato.

Tuesday, March 06, 2007

Praia blogueira em Espanha

No post anterior fiz referências a uma comunicação cuja tese central é o papel dos blogs como instrumentos de aprendizagem não regulada. E há muito mais material que vale a pena conhecer. Um deles é a revista eletrônica Telos (em espanhol) que publicou recentemente, em seu Cuaderno Central, artigos imperdíveis sobre Blogs, Weblogs, Bitácoras.

Monday, March 05, 2007

Blogar para aprender

Estou surfando a Web à procura de materiais sobre uso de blogs em educação. Tarefa difícil. O número de informações disponíveis aumentou geometricamente nos últimos quatro anos (minha última surfagem sistemática sobre o assunto aconteceu em 2003). Depois de percorrer todas as praias que valem a pena, pretendo colocar uma avaliação geral aqui no Aprendente. Mas não posso deixar de mencionar já algumas coisas que me chamaram a atenção. Uma delas é a comunicação Learning Webs: Learning in Weblog Networks, de Lilia Efimova e Sebastian Fiedler. Os citados autores mostram que blogar, sobretudo para profissionais, é uma atividade de aprendizagem não regulada. E isso acontece mesmo quando o blogueiro não tem explicitamente intenção de aprender. Segue aqui, em tradução livre, um dos trechos da comunicação de Lilia e Sebastian:

  • ... há fortes indicações de que um crescente número de profissionais faz uso de webpublicações pessoais e de weblogs para apoiarem com sucesso sua própria aprendizagem fora de qualquer sistema de ensino institucionalmente organizado. Esses profissionais revelam habilidades notáveis para a inciação e manutenção de projetos de aprendizagem pessoal significativa. Eles constroem os seus dominios de aprendizagem pessoal "na ação" enquanto ouvem, observam e, algumas vezes, contatam outros que publicam traços visíveis de atividades de produção de significados na Web. Essas coleções de artefatos publicados e continuamente atualizados formam um imenso ecossistema, dinâmico e sempre mutante, para aprendizagens auto-organizadas e redes sociais.

Saturday, January 27, 2007

Uso de rubricas em avaliação

Há bastante tempo, optou-se por rubricas como instrumento de avaliação em WebQuests. Tal opção foi tranquila nos EUA e Canadá, países nos quais o uso de rubricas como instrumentos de avaliação está bem difundido. No Brasil e em outras partes, porém, quase sempre as matrizes avaliativas características das rubricas têm um ar de novidade. E como não há muita literatura sobre tal alternativa de verificação de aprendizagem, os educadores manifestam diversas dúvidas sobre a matéria. Na última semana mantive um diálogo interessante sobre a questão com o Professor Eziquiel Menta. Uso este post para compartilhar um dos comentários que fiz a partir de uma pergunta do Eziquiel:

>Se for buscar a origem das rubricas, devo me reportar à taxonomia de Bloom?

_ As rubricas não se vinculam a pesquisas como a realizada por Bloom e seu grupo de colaboradores. Elas nasceram em meios que exigem claramente avaliações baseadas em produtos elaborados pelos alunos (aprendizes): as instituiçoes de formação profissional. Exemplo: como avaliar se o aluno de marcenaria aprendeu a fazer uma mesa? A resposta é óbvia: ele deverá ser desafiado a produzir uma mesa. Mas tal resposta não resolve completamentea questão. Nos meios de formação profissional sempre se questionou o subjetivismo do julgamento dos peritos (mestres, instrutores) na hora de julgar um produto feito pelos alunos. Para amenizar tal subjetivismo, surgiram algumas orientações em termos de instrumentação da avaliação. Uma delas foi a utilização de um corpo de jurados para classificar a qualidade de obras de autoria dos aprendizes. Para que um corpo de jurados funcione adequadamente é preciso estabelecer certo consenso sobre critérios a serem utilizados. Nesse caso temos um elemento chave no tipo de avaliação em análise: um lista de critérios transparentes e públicos (ou seja, o aluno sabe, desde o início do processo de ensino-aprendizagem, quais as exigências que serão consideradas na avaliação daquilo que ele produzir). Outra possibilidade que apareceu nos meios de formaçãoprofissional foi o uso de check-lists, uma relação de exigências definidoras de expectativas quanto a um produto ou a um serviço. Finalmente, com metas bastante parecidas com as das duas possibilidades anteriores, surgiram as rubricas, matrizes nas quais os avaliadores estabelecem uma lista de critérios combinada com descritores de possíveis níveis de execução. Nos meios de formação profissional, as soluções que elenquei funcionaram quase sempre como resultado de intuições dos mestres. A literatura não registra grande contribuição da academia ou da pesquisa universitária no campo em análise. As rubricas nasceram sobretudo de invenções de educadores que trabalhavam no "chão da escola". Os profissionais de educação da área achavam que tais soluções eram mais ou menos óbvias. Afinal de contas, não faz sentido avaliar capacidade de fazer uma mesa por meio de uma prova escrita sobre marcenaria...

Nos meios de educação geral, o uso de rubricas surgiu, nos Estados Unidos, por volta dos anos 70 para encaminhar a questão de como avaliar redação (cf. W. James Popham, Testing! Testing! What every parent should know about school tests, Needham Heights, MA: Allyn & Bacon, 2000). A solução rubricas é algo mais ou menos óbvio no caso da aprendizagem de redação. O aluno precisa saber que qualidade tem aquilo que ele produziu. Uma nota, no caso, representa muito pouco. O que um candidato a escrevinhador precisa saber é quais são os pontos fortes e fracos em sua produção. Para isso, o avaliador precisa estabelecer critérios que lhe permitam dialogar de modo objetivo com o avaliado. O uso de rubricas facilita tal diálogo.

Thursday, January 25, 2007

Dizer a própria palavra

No título deste post tento sintentizar uma das esperanças de Paulo Freire; um cidadão livre é aquele que conscientemente é capaz de dizer a sua própria palavra. Nosso maior educador não chegou a publicar um blog, mas era alguém que alimentava muitas expectativas com relação às possibilidades libertárias da rede mundial de computadores. E, certamente, apreciaria muitos dos usos dos blogs em nossos dias. Faço tais reflexões a partir de um diálogo de Freire com um grupo de educadores sobre tecnologia educacional; diálogo do qual tive o privilégio de participar..Um exemplo fantástico de possibilidade de dizer a própria palavra, proporcionada por blogs, é Baghdad Burning, o diário eletrônico publicado por uma jovem iraquiana que assiste diariamente aos efeitos da ocupação estrangeira em seu país. A edição do New York Review of Books de 11/01/2007 resenha alguns livros recentes sobre o Iraque. Um dos livros resenhados é uma compilação das mensagens de Riverbend, a blogueira de Bagdá. A autora, uma profissional de informática, faz um registro admirável de como é a vida de cada dia no Iraque ocupado. Na resenha, observa-se que o texto (em inglês) da moça deixaria muitos americanos envergonhados. E eu acrescento: deve envergonhar também muitos profissionais da área de computação. O texto é limpo, atraente, sedutor, além de fazer uma leitura muito bem informada dos acontecimantos. Mas, para além dos aspectos formais, o texto é um registro histórico imprescindível para quem queira entender o que está acontecendo no Iraque. Riverbend encontrou no blog uma forma de dizer com liberdade sua palavra sobre a experiência trágica sua e de sua terra. Baghdad Burning merece ser lido.Ao ler a matéria do New York Review of Books fiz uma relação inevitável: os blogs continuam censurados (bloqueados) em muitas escolas. Uma pena! Nessas escolas, alunos e professores perdem um importante canal para dizer suas próprias palavras. Dias depois de ler a matéria sobre a blogueira de Bagdá, fiquei sabendo de mais uma medida (anunciada nos jornais de 23/01/2007) contra a liberdade de dizer a própria palavra: o COB (Comitê Olímpico Brasileiro) baixou norma para impedir que os atletas brasileiros publiquem qualquer coisa em seu blogs durante os próximos Jogos Panamericanos. Cabe um pedido de socorro a nosso querido Paulo Freire.

Tuesday, January 23, 2007

Educação: demitir "velhos" para inovar (4)

A questão do velho trabalhador é abordada em algumas obras da música popular brasileira. Nas canções, o sacrifício de animais inservíveis para a produção geralmente funciona como uma metáfora para o afastamento de trabalhadores que já chegaram numa idade que os patrões consideram avançada. Florênciao Guerra, canção gaúcha, é um exemplo disso:

Florêncio afiou a faca para sangrar seu cavalo
Florêncio guerra das guerras do tempo em que seu cavalo
Pisava estrelas nas serras pra chegar antes dos galos
Florêncio afiou a faca pensando no seu cavalo
Parceiros pelas lonjuras na calma das campereadas
Um barco em tardes serenas um tigre numa porteira
Pechando boi pelas primaveras sem mango sem nazarenas
O patrão disse a Florêncio que desse um fim no matungo
Quem já não serve pra nada não merece andar no mundo
A frase afundou no peito e o velho não disse nada
E foi afiar uma faca como quem pega uma estrada
Acharam Florêncio morto por cima do seu cavalo
Alguém que andava no campo viu o centauro sangrado
Caídos no mesmo barro voltando pra mesma terra
Que deve tanto ao cavalo e tanto a Florêncio guerra

Enfatizei a fala do patrão no verso "Quem já não serve pra nada não merece andar no mundo". Florêncio Guerra é uma canção de Mauro Ferreira e Luiz Carlos Borges, ganhadora da Califórnia da Canção Nativa, versão 1991. Há um site que passa uma boa idéia do que é a Califórnia, apresentando letras das músicas, relação das canções premiadas, vídeos das versões mais recentes do festival etc. Se você quiser visitar a Califórnia basta clicar aqui.

Monday, January 22, 2007

Çatalhoyuk na Web


Depois de minhas recentes leituras sobre o Neolítico, fiz alguns levantamentos na internet sobre sitios arqueológicos daquele período histórico. Descobri que há bastante coisa sobre Çatalhoyuk, a primeira cidade construída por nossa espécie. E mais: há um material feito especialmente para educação. Trata-se de uma publicação web com informações e atividades desenvolvidos para jovens com escolaridade equivalente à 7ª série do ensino fundamental: Mysteries of Çatalhoyuk. Tal publicação é uma inciativa do Science Museum of Minnesota e faz parte de uma coleção de atividades científico-educacionais que podem ser encontradas no site daquela institução.
Pena que Mysteries of Çatalhoyuk seja em inglês. De qualquer forma, vale a pena dar uma olhada no material para ver algumas possibilidades interessantes de ensino e aprendizagem de história a partir de pesquisas arqueológica importantes. O material publicado pelo museu tem um planejamento de ensino (instructional design) interessante. Acho que algumas atividades, apesar de prováveis dificuldades linguísticas, poderiam ser trabalhadas nas escolas.

Saturday, January 20, 2007

Vacina contra arrogância informacional

Tomei mais uma dose de vacina contra a arrogância informacional. Acabo de ler Inside The Neolithic Mind, obra de David Lewis-Willians e David Pearce. Eventuais leitores devem estar perguntando: o que é arrogância informacional? Explico-me. Volta e meia alguém diz: "nos últimos X anos produziu-se mais conhecimento que em toda a história prévia da humanidade". Alguns anos atrás, o X de tal afirmação era igual a duas décadas. Hoje tal X tem o valor de cinco ou menos anos. Pura bobagem! Essa afirmação descabida confunde capacidade de produzir (e reproduzir) informação com capacidade de gerar saberes originais e significativos. Ela equipara a invenção de um alfabeto a qualquer hipótese irrelevante supostamente comprovada numa tese de doutorado numa universidade medíocre. Inside The Neolithic Mind procura esclarecer os significados de representações religioso-cosmológicas da era neolítica no Oriente Médio e na Europa Mediterrânea. É um mergulho de profundidade nos mares de evidências arqueológicas de sítios como Çatalhoyuk (uma das primeiras cidades do mundo) e Bru na Boinne (um dos conjuntos mais impressionantes de monumentos megalíticos da Europa). A obra é um bom complemento para o indispensável After The Ice, livro de Steven Mithen que procura traçar um panorama da aventura humana de 20.000 a 5.000 AC. Ao ler obras como as citadas, a gente desenvolve profunda admiração pela capacidade inventiva de nossa espécie. Domesticar animais e plantas, desenvolver métodos para converter cereais em itens da gastronomia humana, construir representações que davam sentido a percepções do universo etc. foram façanhas dos grupos humanos que viveram nos quinze mil anos que precedem os inícios daquilo que costumamos chamar de civilização. Entender e admirar os feitos de nossos ancestrais é certamente uma providência para que coloquemos nossa tecnologia e ciência dentro de uma perspectiva histórica rigorosa. Caso contrário praticaremos uma arrogância informacional cuja única justificativa é o analfabetismo em História.

Thursday, January 18, 2007

Educação: demitir "velhos" para inovar (3)


O episódio que narrei em 20 de dezembro último é um exemplo da ausência de atenção para um fenômeno crescente que, sem dúvida, vai mudar radicalmente a vida em sociedade: o envelhecimento acentuado da população. Em muitas partes do mundo o grupo de pessoas com idade igual ou superior a sessenta anos já é igual ou está próxima a um quinto do total dos cidadãos. As consequências de tal fenômeno no plano do trabalho e da educação ainda não estão sendo consideradas com atenção por pesquisadores, governos e sociedade. Mas já há algum esforço no sentido de entender o que está acontecendo. Em 1997, O ERIC -Education Resources Information Center publicou um resumo sobre a matéria, preparado por Susane Imel. Traduzi o trabalho da professora Imel para o português e divulguei-o com a seguinte mensagem:

Pouca ou nenhuma atenção é dada à demografia em processos de mudanças organizacionais. Fica parecendo que as novas configurações dos grupos etários não faz parte do contexto. As análises de tendências aparentemente desconhecem que a idade da força de trabalho está sofrendo alterações significativas: proporcionalmente o número de jovens trabalhadores tende a diminuir e o número de trabalhadores mais velhos tende a crescer. Ao que tudo indica, as estruturas de emprego e trabalho, dadas as tendências demográficas cujos efeitos já começam a ser sentidos, deverão mudar substancialmente para acomodar as novas configurações das faixas etárias da população economicamente ativa.

Este tema, pouco considerado nas projeções que se fazem quanto ao futuro do trabalho, mereceu um levantamento do “estado de arte” por parte da pesquisadora Susan Imel. Tal levantamento faz parte do acervo da Clearinghouse on Adult, Career and Vocational Education, o centro de educação de adultos do serviço americano de documentação sobre educação (ERIC).

Não há aqui espaço para mais comentar o levantamento bibliográfico feito por Susane Imel. Se alguém quiser cópia da tradução que cometi em 1997, entre em contato em jarbas@sdsualumni.org .

Tuesday, January 16, 2007

Educação: demitir "velhos" para inovar (2)

Pretendia considerar mais imediatamente outros aspectos relacionados com o episódio de dispensa de "velhos" educadores em nome da inovação. Mas resolvi deixar novas considerações para mais tarde. Motivo: comentários de duas amigas blogueiras que indicaram o potencial de discussão que minha mensagem poderia ter. Um dos comentários foi o da Miriam Salles que repercutiu meu post no blog dela. Outro comentário foi o da Carmé Barba que traduziu o meu texto para o catalão e o colocou como tema do mês numa "bitacora" coletiva. Ao perceber a possibilidade de realizar uma boa conversa sobre certos rumos da tecnologia educacional a partir do mencionado episódio, decidi dar um tempo, convocar alguns educadores amigos, e aguardar mais comentários. Objetivo: afinar minha viola para a animação futura de um fórum dedicado à próxima Jornada Catarinense de Tecnologia Educaciohnal. Em outras palavras, estou utilizando a oportunidade para descobrir modos de propor uma conversa produtiva sobre usos das TIC no espaço educacional. Enquanto isso, as considerações que eu havia planejado vão ficar na gaveta.