Wednesday, July 30, 2008

Um outro olhar



No Parque da Água Branca, aqui em São Paulo, há uma área com diversas colméias de abelhas nativas. Sábado passado,em minhas andanças pelo local, vi que um senhor armava uma barraquinha para vender mel. Depois da minha caminhada, estive no pedaço para comprar a delícia produzida pelas "industriosos insetos". Mas não fiquei só na compra. O mencionado senhor, Waldemar Ribas, é uma grande autoridade no campo da apilcultura. Emendei com ele um papo sobre as mestiças africanas, Warwick Kerr, Isaias Pessotti, abelhas nativas, benefícios do mel etc. No embalo, Waldemar me mostrou uma das colméias de abelhas nativas. E no ato fiquei sabendo que ele é o criador do projeto dos apiário de abelhas indígenas do Parque da Água Branca. Escolas interessadas em conhecer abelhas em geral e, mais particularmente, as abelhas brasileiras, podem agendar um encontro com o Waldemar. Os alunos, certamente, terão oportunidade de aprender com um homem apaixonado pelo assunto. Para uma informação inicial sobre o tema, convém visitar o site da APACAME - Associação Paulista de Apicultores Criadores de Abelhas Melíferas Européias.

Você deve estar se perguntando: e essa coisa de um outro olhar? Chego lá. Em nosso papo sobre as abelhas africanas, Waldemar sempre se referiu a estes insetos com muito defensivos. Uma referência interessante. Nos anos de 1960 eram comuns as narrativas de ataques de abelhas africanas. E nessas narrativas, os jornais costumavam designá-las como muito agressivas. Aí estão os dois olhares. Waldemar vê os insetos como animais que se defendem quando sentem algum perigo. Por isso chama-os de defensivos. Entende que qualquer bicho quando vê seu território invadido ou quando sente que um dos seus foi atacado parte para a defesa. E as abelhas africanas fazem isso de modo expressivo. Do lado dos jornais, predomina uma visão centrada exclusivamente nos interesses humanos. Nesse sentido, animal bom é o que se submete. Qualquer animal que tente defender sua "casa" ou um dos seus é visto como um bicho agressivo. O contraste entre as duas visões é interessante e deveria ser considerado no âmbito educacional. Há muito o que aprender com visões como a do Waldemar.

Depois da conversa no Parque da Água Branca, achei que seria muito bom que alguém se dispusesse a fazer WebGincanas e/ou WebQuests sobre abelhas africanas e sobre abelhas nativas. Os dois temas são fascinantes.

Para terminar a conversa ou para iniciar um papo, indico aqui um vídeo sobre uma de nossas abelhas nativas.

Friday, July 18, 2008

Tragédia de Seymour Papert



Acabo de saber por meio do twitter do meu amigo Bernie Dodge que Seymour Papert está passando por um doloroso processo de recuperação. A dor maior não é física. Papert, atropelado por uma moto 19 meses atrás em Hanoi, teve seu cérebro severamente afetado pelo acidente. Perdeu fala e memória. Não se sabe muito bem se houve outras perdas. Nesses quase dois anos, o famoso pesquisador do MIT está tentando recuperar suas funções cerebrais. A esposa acredita que ele ainda é o mesmo e vai com o tempo voltar a ser o Papert que todos conhecem. Alguns amigos têm dúvidas. Pensam que o cientista jamais voltará a ser o gênio que foi no campo da matemática, ciências da computação e educação.
Para quem não se lembra ou não sabe, Seymour Papert é o criador da linguagem Logo e de estudos importantes no campo da aprendizagem. É também o fundador do MIT Media Lab, um projeto que agita importantes contribuições no campo de usos educacionais de computadores. Se você quiser ler uma reportagem recente sobre o processo de recuperação do criador do Logo, clique aqui.

Thursday, July 17, 2008

Cuando los angeles lloran: homenagem a Chico Mendes



Por volta de 2001, ao realizar levantamento para alista de webquest que apresentávamos no WebQuest: Aprendendo na Internet, descobri trabalho feito por uma dupla de educadores uruguaios. Era uma webquest muito elegante, voltada para as questões ambientais. Não me lembro bem de detalhes da Tarefa, mas me lembro de que o resultado final deveria ser uma carta dirigida à ministra do meio ambiente do Brasil, Marina da Silva, propondo políticas de proteção para a Amazônia. Infelizmente, o trabalho dos educadores uruguaios não está mais no ar. Mas era uma webquest que servia de referência para muitas coisas. Uma de tais referências era o uso de música associado ao desafio que os alunos eram convidados a enfrentar.

Na Introdução, os alunos eram convidados a ouvir a canção Cuando los Angeles Lloran. Mas na época não havia muitas facilidades para oferecer acesso direto à música. Já não me lembro se a orientação era buscar um cd com a canção ou ir até um site onde seria possível acessá-la. Por causa dessa restrição, não pude escutar a música que inspirava a webquest dos educadores uruguaios. Hoje, por acaso, acabo de descobrir no Goear a canção em tela. E ao ouvi-la, fiquei sabendo que a mesma é uma homenagem a Chico Mendes. Se a webquest Cuando los Angeles Lloran ainda estivesse no ar, seria muito simples incorporar um acesso direto à música por meio do Goear. Para quem quiser ouvir uma bela e merecida homenagem internacional a Chico Mendes basta clicar na primeira flecha do botão que apresento a seguir:

Tuesday, July 15, 2008

Boa música

Recursos web facilitam nossa conversa sobre música. Desde ontem estou encantado com um desses recursos, o Goear. Ele reúne um acervo de obras que as pessoas colocam no ar. Tal acervo é uma peneira. De modo espontâneo, as pessoas selecionam coisas que acham que devem ser ouvidas. A peneira nem sempre é rigorosa. Mas o conjunto do material trazido para a rede permite que a gente tenha acesso a novidades ou a obras clássicas. Muita coisa pode ser feita com tal recurso.Fico imaginando uma tarefa como a de selecionar material para um show temático.

Vou apresentar aqui um roteiro que pode servir de exemplo para uma tarefa como a que estou propondo. Não serei muito criterioso no roteiro. Quero apenas mostrar um possível caminho.

Uma música social e crítica pode dar uma boa idéia sobre problemas enfrentados por nós nos últimos anos. Este show é uma pequena mostra disso. Vamos viajar pelo mundo de fala espanhola e ouvir algumas canções que, além de engajadas, são de grande beleza.

Comecemos com Cambalache, na voz de Joan Manuel Serrat:



A introdução de Serrat e a letra dispensam comentário. Seguimos com o show. Canta agora Soledad Bravo, intérprete de origem espanhola que se tornou a mais importante cantora de Venezuela. A música, Comandante Che Guevara lembra a luta de guerrilha que se instalou em algumas partes da América do Sul:



Nos anos setenta e seguintes, a ditadura chilena foi um movimento de grande crueldade. O grande representante da nova canção cubana, Pablo Milanes, canta aqui uma canção da volta a uma Santiago liberada:



Deixemos o clima de terror das ditaduras sul-americanas do século XX. Ouçamos um pouco de música que valoriza a cultura local. Uma das mais lindas obras nessa direção é José Antonio, de Chabuca Granda, a fantástica cantora e compositora peruana:



Que tal mais uma música que fala de gente do povo desta nossa América. Ouçam a lindíssima Carito, dos argentinos Leon Gieco e Antonio Tarrago Ros:



É de Antonio Tarrago Ros uma canção sobre um escravo brasileiro que luta na Guerra do Paraguai. A epópéia desse negro ilustra as contradições de nossa América do Sul. Apresentamos aqui versão cantada pelo autor com Pablo Milanes num encontro em Buenos Aires:



Tem muito mais, mas vamos terminando por aqui. Dois artistas que sempre promoveram a grande música popular da América abaixo do equador: Horacio Guarany e Mercedes Sosa em Se se Calla el Cantor:

Monday, July 14, 2008

Yo te nombro libertad

Ecaminhei mensagem ao Arquivo68 sobre a petição contra o projeto de lei do Azeredo, um golpe contra a liberdade. No final da mensagem sugeri que reflexõessobre a liberdade tivessem como som de fundo a belíssima canção Yo te nombro libertad. E para tanto coloquei no post uma chamada para vídeo no Youtube afim de que os leitores pudessem ver (e escutar) uma comovente interpretação de Nacha Guevara. Mas descobri que há muito mais sobre a canção.

O poema original, que inspira a versão musical em espanhol, foi escrito em 1942 por Paul Eluard como expressão de resistência ao nazismo. Cópias do poema eram lançadas por aviões ingleses no continente europeu como forma de avivar a luta contra a ocupação.

Para quem quiser apreciar este grito de liberdade, que continua muito atual, forneço a seguir letra da canção e, no final do post, o som da versão gravada pelo Quilapayun, magnífico grupo musical chileno. Você pode clicar na caixa de som no final, escutar a música e acompanhar a letra. Asseguro que vale a pena.

Yo te nombro, libertad

Por el pájaro enjaulado, por el pez en la pecera,
por mi amigo que está preso porque ha dicho lo que piensa.

Por las flores arrancadas, por la hierba pisoteada,
por los árboles podados, por los cuerpos torturados.

Yo te nombro, libertad.

Por los dientes apretados, por la rabia contenida,
por el nudo en la garganta, por las bocas que no cantan.

Por el verso clandestino, por el verso censurado,
por el joven exilado, por los nombres prohibidos.

Yo te nombro, libertad.

Te nombro en nombre de todos, por tu nombre verdadero;
te nombro cuando oscurece y cuando nadie me ve.
Escribo tu nombre en las paredes de mi ciudad:
tu nombre verdadero,
tu nombre y otros nombres que no nombro por temor.

Por la idea perseguida, por los golpes recibidos,
por aquel que no resiste, por aquellos que se esconden.

Por el miedo que te tienen, por tus pasos que vigilan,
por la forma en que te atacan, por los hijos que te matan.

Yo te nombro, libertad.

Por las tierras invadidas, por los pueblos conquistados,
por la gente sometida, por los hombres explotados.

Por los muertos en la hoguera, por el justo ajusticiado,
por el héroe asesinado por los fuegos apagados.

Yo te nombro, libertad.

Te nombro en nombre de todos, por tu nombre verdadero;
te nombro cuando oscurece y cuando nadie me ve.
Escribo tu nombre en las paredes de mi ciudad:
tu nombre verdadero,
tu nombre y otros nombres que no nombro por temor.

Yo te nombro, libertad.


Friday, July 11, 2008

Avaliação contínua e qualitativa

Hoje, numa arrumação dos meus muitos guardados, encontrei uma prova de História da Educação, elaborada por uma insigne professora universitária. O material já tem uns oito anos e a fonte não pode mais ser identificada. Por isso posso divulgar aqui a mencionada prova. Copio integralmente a obra da referida professora:

Questões

  • 1ª) Qual o ideal educacional de Jesus Cristo?
  • 2ª) Qual a importância de Martinho Lutero?
  • 3ª) Quais as características dos séculos XVI e XVII?
  • 4ª) Comente o 1° livro do Emílio de Jean Jacques Rousseau.
  • 5ª) Como Froebel via as crianças de 0 a 7 anos de idade?
Acho que não preciso comentar os absurdos de tal instrumento de avaliação. Mas tenho de fazer algumas observações. Até cruzar com essa prova eu nunca tinha visto tanto destaque para o ideal educacional de Jesus Cristo. Aliás, com todo respeito que me merece JC, será que alguém pode me dizer que ideal era esse? As perguntas todas são bambas. Podem ser respondidas de mil maneiras distintas. E aí pergunto: quais seriam os critérios da professora que elaborou tal instrumento avaliativo? Gostaria muito de ver as respostas dos alunos.

Todas as cinco perguntas refletem um ambiente educacional marcado por reproduções de informação. Os alunos da professora avaliadora certamente não construíram qualquer conhecimento nos níveis de análise e síntese. Provavelmente saíram do curso sem qualquer compreensão das idéias educacionais de Froebel, Rousseau ou Lutero. Talvez tenham guardado por algum tempo certos rótulos que poderiam ser aplicados aos séculos XVI e XVII, mas certamente não tinham qualquer idéia do que foi o Alto Renascimento, os inícios da Era Moderna e os começos do Iluminismo. E a tal prova é um exemplo definitivo de que prova não prova nada.

O que mais me chateia num caso com esse é a explicação que a professora me daria. Ela provavelmente diria que sua prova era algo qualitativo, muito diferente do objetivismo característico de verificações de aprendizagem preocupadas com medidas. Diria mais. Diria que sua prova era apenas um pequeno detalhe num processo contínuo de avaliação. Em suma, o que me chateia é esse uso de grandes palavras, processo contínuo e avaliação qualitativa, para esconder inépcia, incapacidade de elaborar um instrumento razoavelmente digno.

Não tenho muito mais espaço para continuar meus comentários sobre a matéria. Quero apenas registrar meu desconforto com os rumos que tomaram as idéias sobre avaliação nos cursos de pedagogia. A maioria dos educadores malha sem dó a antiga perspectiva de Testes e Medidas em Educação, um conteúdo que considerava certos cuidados técnicos na elaboração de provas e outros instrumentos avaliativos. Hoje, a impressão que me fica é a de que os alunos de pedagogia aprendem apenas um discurso sobre avaliação, não modos de instrumentar essa dimensão importante do ato de educar. E pior: quando forem professores farão provas muito parecidas com o exemplo que acabo de desengavetar dos meus guardados.