Sunday, December 14, 2008

Musica, educação e slow blogging

O título deste post parece letra de um novo Samba do Crioulo Doido (Saravá, Stalislaw!). Mas, uma vez explicado, parecerá apenas uma maneira de blogar.
Faz algum tempo que li em algum blog que há um caminho interessante para postar com certa frequencia: escrever comentários detalhados sobre livros que valem a pena. A sugestão não se confunde com resenha, pois supõe comentários para cada capítulo de uma obra. O exercício tem várias vantagens:
  • ajuda o comentarista a entender melhor o que lê;
  • divulga idéias que merecem ser mais conhecidas;
  • converte o blog num espaço de conversa mais organizada.
Esse modo de conversar sobre uma obra está na linha do slow blogging. Ou seja, num blogar que contraria um pouco nosso entendimento a respeito dos diários web, pois a idéia hegemônica sobre blogs é a de que os posts precisam ser ágeis, imediatos, curtos. Tudo muito rápido. O slow blogging navega contra a corrente: tem mensagens mais longas, não se compromete com frequência muito grande de postagens. Importa degustar o escrito. Não importa a rapidez.
Começo com este post uma experiência. Vou escrever com certo vagar comentários sobre uma obra muito interessante: A Well Tempered Mind: Using music to help children listen and learn, de Peter Perret e Janet Fox. A obra narra uma experiência de presença da música na educação. Mais concretamente, da aventura de um quinteto de sopro em encontros com alunos das três primeiras séries do ensino fundamental num escola pública de Wiston-Salem. Fico por aqui. Assim que pintar a oportunidade, começarei meus comentários detalhados sobre o livro de Perret e Fox.

Tuesday, December 02, 2008

Tuesday, November 04, 2008

Estudantes ou clientes?

Sempre vi com estranheza esta idéia de que "nossos alunos são nossos clientes". Aliás, do ponto de vista histórico, a palavra cliente não tem qualquer nobreza. Clientes eram aqueles desocupados que formavam claques de políticos da velha Roma. As clientelas, no caso, eram constituídas por meio de pequenos favores dos poderosos.

Admiro muito o cientista da computação Alan Kay. Minha admiração acaba de crescer ao descobrir um pequeno texto em que ele aborda a questão do cliente na educação. Copio tal texto a seguir. Infelizmente não disponho de tempo para traduzí-lo, nem para fazer comentários. Por isso opero aqui um registro e espero voltar ao tema oportunamente.

Hi Mark --

I think the more important point here has to do with the differences between education and vocational training. Neil Postman wrote a number of essays lamenting the huge change in universities -- which have pretty rapidly shifted from being the definers of "what higher education means" to vendors serving customers. He pointed out how ludicrous it could be to have uneducated people demanding courses and rejecting others, largely driven by perceptions of what would help with future jobs as opposed to future abilities to think well and with perspective.

I think these are important distinctions even outside of the liberal arts, and are even relevant in the engineering disciplines. But once universities start saying "we have customers, and we must cater to them", real education goes out the window, especially for the undergraduate years.

In the case of computing, it's not clear just what do to since a strong case could be made that academics also have very weak and career driven ideas of what computing and they should be doing. As you know, I thought that the ARPA/PARC conceptions of what we should be doing were pretty good, and they were built on the premise that our field had not been developed yet, and so most of the education and training in university should be devoted to helping the students do better than the previous generation in not just advancing things, but in trying to invent the twin fields of computer science and software engineering.

However, given that the strong research funding is not with us and there is no longer a strong research community devoted to the above, I would think that it is the universities that just have to wake up and get better. The biggest initial need is to arrive at a much more fruitful perspective on computing itself that can be used to both to understand the past better, but also to see that the present "normals" are much more arbitrary and accidental constructs than most people think. Once "normal" is made visible and can be seen as a construction, then it is much easier to see possible futures that were quite hidden by convention.

Cheers,

Alan

Saturday, October 25, 2008

Música e Política

Num domingo, pouco antes do primeiro turno da eleição paulistana, vi carreata de certo candidato a vereador na rua da Glória, Liberdade. O que me chamou atenção foi a música de campanha do aspirante a edil, péssima. Reagi de imediato, pensando:

- "Não voto neste cara, nem a pau".

Reagi sem conhecer plataforma política e vida do candidato. A música me incomodou demais. Quem aceita uma barbaridade sonora como aquela para animar seus eleitores é um perigo para a cultura. Depois tive um pensamento de complacência:

- "Vai ver que o cara sofre de amusia congênita".

Mesmo assim, continuo achando que nós, eleitores, não merecemos barbaridade como aquela. Quanto ao candidato, acho que o dito deveria abandonar a carreira política e converter-se em sujeito dos estudos de Isabelle Peretz.

Mas a política está proporcionando oportunidades para a criação de música muito interessante. É o que vem acontecendo na campanha eleitoral americana.

Acabo de ver no Youtube uma das produções musicais dedicadas a Sarah Palin (Deus nos livre se o Mcain for eleito, falecer em seguida, e essa barbie das geleiras assumir a presidência da Gringolândia!). O VT é uma peça composta por supostos vizinhos russos da candidata. Melodia aceitável. Extremamente hilária. Os personagens são caricacturas de russos, com corte de cabelo dos anos cinquenta (A cabeleira de um deles, certamente, foi fixada com gumex!). O ambiente também é um cenário de lugar decadente e de mau gosto (a Rússia do capitalismo selvagem?). Mas chega de conversa. O bom mesmo é ver a obra:

Tuesday, October 07, 2008

Leitura atlética



Acabo de escrever um texto que faz referência aos muitos problemas da aprendizagem da leitura em nossos dias. E no processo de escrever, lembrei-me de um antigo companheiro de república nos idos de 68/69.

Usávamos um pequeno escritório do casarão para estudo. Minha mesa ficava ao lado da mesa do citado companheiro. Quase todos os dias eu observava uma cena engraçada e dolorosa: a atividade de estudo do moço.

Antes de falar da graça e da dor que testemunhei, preciso apresentar o personagem. Ele era um atleta. Zagueiro central titular do time da escola. Não era um craque, mas seu vigor físico e vontade impunham respeito aos mais brilhantes dianteiros. Era um menino nascido na roça, filho de sitiantes italianos. Fizera um primário abreviado (três anos) com professores leigos. Quando começou o ginásio na cidade ainda não estava completamente alfabetizado. Aos trancos e barrancos chegou ao ensino superior.

Volto à graça e à dor. Qualquer texto de estudo, superficial ou profundo, fácil ou difícil, era um desafio quase que insuperável para meu companheiro. Mas ele era um moço voluntarioso e valente. Não desistia. Tratava os livros como se fossem atacantes a serem anulados dentro da área. Pegava-os com força, segurando-os com ambas as mãos. E fazia da leitura uma atividade física, um briga contra as letras. Textos mais difíceis eram lidos repetidamente em voz alta. Textos mais fáceis eram lidos sem som aparente, mas com lábios que não paravam de se movimentar. E parecia que aquelas mãos fortes iriam estraçalhar os pobres livros.

Essa história, a meu ver, ilustra a necessidade de uma boa alfabetização no primário. Perdão! Nos primeiros anos do ensino fundamental.

Sunday, August 17, 2008

Dorival Caymmi

E lá se foi um sábio. Sem pressa. Podia ter ficado conosco mais alguns anos. Numa rede. Sem pressa. E dizendo, com aquela sua voz profunda, verdades musicais que podem dar mais sentido a nosso viver. Para quem quiser ouvir e se emocionar, indico uma das obras primas do velho baiano: Acalanto.

Wednesday, August 13, 2008

Poucas palavras

Uso pouco este espaço para manifestações políticas. Mas há momentos em que não dá para segurar a indignação. Um desses momentos está rolando agora.
Tímidas iniciativas para lembrar que torturadores são criminosos foram abafadas com cala-bocas das forças armadas (reforçados por declarações pusilâmines do Lula). Militares entendem que isso está garantido pela lei da anistia que passa uma borracha em crimes políticos. Mas que diabo de crime político é uma tortura cruel de gente indefesa como Madre Maurina, aquela freirinha simples de Ribeirão Preto?
Não me estendo muito. Deixo aqui apenas o registro da minha indignação.

É preciso ouvir sempre

Friday, August 08, 2008

Caligrafia chinesa



Só para registro. Com tanta imagem da China nas telas de todo mundo neste 8 do 8, resolvi marcar a data com este painel de caracteres. Mera recreação.

Tuesday, August 05, 2008

Bush vê desastre que causou

Nem tudo está perdido na política. Bush, arrependido, percorre os EUA para ver os desastres causados por sua presidência e para pedir perdão. Tocante! Vocês podem ver tudo isso neste vídeo:

Friday, August 01, 2008

Angela Maria

Para ouvir e apreciar.

Wednesday, July 30, 2008

Um outro olhar



No Parque da Água Branca, aqui em São Paulo, há uma área com diversas colméias de abelhas nativas. Sábado passado,em minhas andanças pelo local, vi que um senhor armava uma barraquinha para vender mel. Depois da minha caminhada, estive no pedaço para comprar a delícia produzida pelas "industriosos insetos". Mas não fiquei só na compra. O mencionado senhor, Waldemar Ribas, é uma grande autoridade no campo da apilcultura. Emendei com ele um papo sobre as mestiças africanas, Warwick Kerr, Isaias Pessotti, abelhas nativas, benefícios do mel etc. No embalo, Waldemar me mostrou uma das colméias de abelhas nativas. E no ato fiquei sabendo que ele é o criador do projeto dos apiário de abelhas indígenas do Parque da Água Branca. Escolas interessadas em conhecer abelhas em geral e, mais particularmente, as abelhas brasileiras, podem agendar um encontro com o Waldemar. Os alunos, certamente, terão oportunidade de aprender com um homem apaixonado pelo assunto. Para uma informação inicial sobre o tema, convém visitar o site da APACAME - Associação Paulista de Apicultores Criadores de Abelhas Melíferas Européias.

Você deve estar se perguntando: e essa coisa de um outro olhar? Chego lá. Em nosso papo sobre as abelhas africanas, Waldemar sempre se referiu a estes insetos com muito defensivos. Uma referência interessante. Nos anos de 1960 eram comuns as narrativas de ataques de abelhas africanas. E nessas narrativas, os jornais costumavam designá-las como muito agressivas. Aí estão os dois olhares. Waldemar vê os insetos como animais que se defendem quando sentem algum perigo. Por isso chama-os de defensivos. Entende que qualquer bicho quando vê seu território invadido ou quando sente que um dos seus foi atacado parte para a defesa. E as abelhas africanas fazem isso de modo expressivo. Do lado dos jornais, predomina uma visão centrada exclusivamente nos interesses humanos. Nesse sentido, animal bom é o que se submete. Qualquer animal que tente defender sua "casa" ou um dos seus é visto como um bicho agressivo. O contraste entre as duas visões é interessante e deveria ser considerado no âmbito educacional. Há muito o que aprender com visões como a do Waldemar.

Depois da conversa no Parque da Água Branca, achei que seria muito bom que alguém se dispusesse a fazer WebGincanas e/ou WebQuests sobre abelhas africanas e sobre abelhas nativas. Os dois temas são fascinantes.

Para terminar a conversa ou para iniciar um papo, indico aqui um vídeo sobre uma de nossas abelhas nativas.

Friday, July 18, 2008

Tragédia de Seymour Papert



Acabo de saber por meio do twitter do meu amigo Bernie Dodge que Seymour Papert está passando por um doloroso processo de recuperação. A dor maior não é física. Papert, atropelado por uma moto 19 meses atrás em Hanoi, teve seu cérebro severamente afetado pelo acidente. Perdeu fala e memória. Não se sabe muito bem se houve outras perdas. Nesses quase dois anos, o famoso pesquisador do MIT está tentando recuperar suas funções cerebrais. A esposa acredita que ele ainda é o mesmo e vai com o tempo voltar a ser o Papert que todos conhecem. Alguns amigos têm dúvidas. Pensam que o cientista jamais voltará a ser o gênio que foi no campo da matemática, ciências da computação e educação.
Para quem não se lembra ou não sabe, Seymour Papert é o criador da linguagem Logo e de estudos importantes no campo da aprendizagem. É também o fundador do MIT Media Lab, um projeto que agita importantes contribuições no campo de usos educacionais de computadores. Se você quiser ler uma reportagem recente sobre o processo de recuperação do criador do Logo, clique aqui.

Thursday, July 17, 2008

Cuando los angeles lloran: homenagem a Chico Mendes



Por volta de 2001, ao realizar levantamento para alista de webquest que apresentávamos no WebQuest: Aprendendo na Internet, descobri trabalho feito por uma dupla de educadores uruguaios. Era uma webquest muito elegante, voltada para as questões ambientais. Não me lembro bem de detalhes da Tarefa, mas me lembro de que o resultado final deveria ser uma carta dirigida à ministra do meio ambiente do Brasil, Marina da Silva, propondo políticas de proteção para a Amazônia. Infelizmente, o trabalho dos educadores uruguaios não está mais no ar. Mas era uma webquest que servia de referência para muitas coisas. Uma de tais referências era o uso de música associado ao desafio que os alunos eram convidados a enfrentar.

Na Introdução, os alunos eram convidados a ouvir a canção Cuando los Angeles Lloran. Mas na época não havia muitas facilidades para oferecer acesso direto à música. Já não me lembro se a orientação era buscar um cd com a canção ou ir até um site onde seria possível acessá-la. Por causa dessa restrição, não pude escutar a música que inspirava a webquest dos educadores uruguaios. Hoje, por acaso, acabo de descobrir no Goear a canção em tela. E ao ouvi-la, fiquei sabendo que a mesma é uma homenagem a Chico Mendes. Se a webquest Cuando los Angeles Lloran ainda estivesse no ar, seria muito simples incorporar um acesso direto à música por meio do Goear. Para quem quiser ouvir uma bela e merecida homenagem internacional a Chico Mendes basta clicar na primeira flecha do botão que apresento a seguir:

Tuesday, July 15, 2008

Boa música

Recursos web facilitam nossa conversa sobre música. Desde ontem estou encantado com um desses recursos, o Goear. Ele reúne um acervo de obras que as pessoas colocam no ar. Tal acervo é uma peneira. De modo espontâneo, as pessoas selecionam coisas que acham que devem ser ouvidas. A peneira nem sempre é rigorosa. Mas o conjunto do material trazido para a rede permite que a gente tenha acesso a novidades ou a obras clássicas. Muita coisa pode ser feita com tal recurso.Fico imaginando uma tarefa como a de selecionar material para um show temático.

Vou apresentar aqui um roteiro que pode servir de exemplo para uma tarefa como a que estou propondo. Não serei muito criterioso no roteiro. Quero apenas mostrar um possível caminho.

Uma música social e crítica pode dar uma boa idéia sobre problemas enfrentados por nós nos últimos anos. Este show é uma pequena mostra disso. Vamos viajar pelo mundo de fala espanhola e ouvir algumas canções que, além de engajadas, são de grande beleza.

Comecemos com Cambalache, na voz de Joan Manuel Serrat:



A introdução de Serrat e a letra dispensam comentário. Seguimos com o show. Canta agora Soledad Bravo, intérprete de origem espanhola que se tornou a mais importante cantora de Venezuela. A música, Comandante Che Guevara lembra a luta de guerrilha que se instalou em algumas partes da América do Sul:



Nos anos setenta e seguintes, a ditadura chilena foi um movimento de grande crueldade. O grande representante da nova canção cubana, Pablo Milanes, canta aqui uma canção da volta a uma Santiago liberada:



Deixemos o clima de terror das ditaduras sul-americanas do século XX. Ouçamos um pouco de música que valoriza a cultura local. Uma das mais lindas obras nessa direção é José Antonio, de Chabuca Granda, a fantástica cantora e compositora peruana:



Que tal mais uma música que fala de gente do povo desta nossa América. Ouçam a lindíssima Carito, dos argentinos Leon Gieco e Antonio Tarrago Ros:



É de Antonio Tarrago Ros uma canção sobre um escravo brasileiro que luta na Guerra do Paraguai. A epópéia desse negro ilustra as contradições de nossa América do Sul. Apresentamos aqui versão cantada pelo autor com Pablo Milanes num encontro em Buenos Aires:



Tem muito mais, mas vamos terminando por aqui. Dois artistas que sempre promoveram a grande música popular da América abaixo do equador: Horacio Guarany e Mercedes Sosa em Se se Calla el Cantor:

Monday, July 14, 2008

Yo te nombro libertad

Ecaminhei mensagem ao Arquivo68 sobre a petição contra o projeto de lei do Azeredo, um golpe contra a liberdade. No final da mensagem sugeri que reflexõessobre a liberdade tivessem como som de fundo a belíssima canção Yo te nombro libertad. E para tanto coloquei no post uma chamada para vídeo no Youtube afim de que os leitores pudessem ver (e escutar) uma comovente interpretação de Nacha Guevara. Mas descobri que há muito mais sobre a canção.

O poema original, que inspira a versão musical em espanhol, foi escrito em 1942 por Paul Eluard como expressão de resistência ao nazismo. Cópias do poema eram lançadas por aviões ingleses no continente europeu como forma de avivar a luta contra a ocupação.

Para quem quiser apreciar este grito de liberdade, que continua muito atual, forneço a seguir letra da canção e, no final do post, o som da versão gravada pelo Quilapayun, magnífico grupo musical chileno. Você pode clicar na caixa de som no final, escutar a música e acompanhar a letra. Asseguro que vale a pena.

Yo te nombro, libertad

Por el pájaro enjaulado, por el pez en la pecera,
por mi amigo que está preso porque ha dicho lo que piensa.

Por las flores arrancadas, por la hierba pisoteada,
por los árboles podados, por los cuerpos torturados.

Yo te nombro, libertad.

Por los dientes apretados, por la rabia contenida,
por el nudo en la garganta, por las bocas que no cantan.

Por el verso clandestino, por el verso censurado,
por el joven exilado, por los nombres prohibidos.

Yo te nombro, libertad.

Te nombro en nombre de todos, por tu nombre verdadero;
te nombro cuando oscurece y cuando nadie me ve.
Escribo tu nombre en las paredes de mi ciudad:
tu nombre verdadero,
tu nombre y otros nombres que no nombro por temor.

Por la idea perseguida, por los golpes recibidos,
por aquel que no resiste, por aquellos que se esconden.

Por el miedo que te tienen, por tus pasos que vigilan,
por la forma en que te atacan, por los hijos que te matan.

Yo te nombro, libertad.

Por las tierras invadidas, por los pueblos conquistados,
por la gente sometida, por los hombres explotados.

Por los muertos en la hoguera, por el justo ajusticiado,
por el héroe asesinado por los fuegos apagados.

Yo te nombro, libertad.

Te nombro en nombre de todos, por tu nombre verdadero;
te nombro cuando oscurece y cuando nadie me ve.
Escribo tu nombre en las paredes de mi ciudad:
tu nombre verdadero,
tu nombre y otros nombres que no nombro por temor.

Yo te nombro, libertad.


Friday, July 11, 2008

Avaliação contínua e qualitativa

Hoje, numa arrumação dos meus muitos guardados, encontrei uma prova de História da Educação, elaborada por uma insigne professora universitária. O material já tem uns oito anos e a fonte não pode mais ser identificada. Por isso posso divulgar aqui a mencionada prova. Copio integralmente a obra da referida professora:

Questões

  • 1ª) Qual o ideal educacional de Jesus Cristo?
  • 2ª) Qual a importância de Martinho Lutero?
  • 3ª) Quais as características dos séculos XVI e XVII?
  • 4ª) Comente o 1° livro do Emílio de Jean Jacques Rousseau.
  • 5ª) Como Froebel via as crianças de 0 a 7 anos de idade?
Acho que não preciso comentar os absurdos de tal instrumento de avaliação. Mas tenho de fazer algumas observações. Até cruzar com essa prova eu nunca tinha visto tanto destaque para o ideal educacional de Jesus Cristo. Aliás, com todo respeito que me merece JC, será que alguém pode me dizer que ideal era esse? As perguntas todas são bambas. Podem ser respondidas de mil maneiras distintas. E aí pergunto: quais seriam os critérios da professora que elaborou tal instrumento avaliativo? Gostaria muito de ver as respostas dos alunos.

Todas as cinco perguntas refletem um ambiente educacional marcado por reproduções de informação. Os alunos da professora avaliadora certamente não construíram qualquer conhecimento nos níveis de análise e síntese. Provavelmente saíram do curso sem qualquer compreensão das idéias educacionais de Froebel, Rousseau ou Lutero. Talvez tenham guardado por algum tempo certos rótulos que poderiam ser aplicados aos séculos XVI e XVII, mas certamente não tinham qualquer idéia do que foi o Alto Renascimento, os inícios da Era Moderna e os começos do Iluminismo. E a tal prova é um exemplo definitivo de que prova não prova nada.

O que mais me chateia num caso com esse é a explicação que a professora me daria. Ela provavelmente diria que sua prova era algo qualitativo, muito diferente do objetivismo característico de verificações de aprendizagem preocupadas com medidas. Diria mais. Diria que sua prova era apenas um pequeno detalhe num processo contínuo de avaliação. Em suma, o que me chateia é esse uso de grandes palavras, processo contínuo e avaliação qualitativa, para esconder inépcia, incapacidade de elaborar um instrumento razoavelmente digno.

Não tenho muito mais espaço para continuar meus comentários sobre a matéria. Quero apenas registrar meu desconforto com os rumos que tomaram as idéias sobre avaliação nos cursos de pedagogia. A maioria dos educadores malha sem dó a antiga perspectiva de Testes e Medidas em Educação, um conteúdo que considerava certos cuidados técnicos na elaboração de provas e outros instrumentos avaliativos. Hoje, a impressão que me fica é a de que os alunos de pedagogia aprendem apenas um discurso sobre avaliação, não modos de instrumentar essa dimensão importante do ato de educar. E pior: quando forem professores farão provas muito parecidas com o exemplo que acabo de desengavetar dos meus guardados.

Sunday, June 22, 2008

Monday, June 09, 2008

Bela música



Música. Na vida. Na escola. Cada vez mais acho que música é importante. Nas escolas as crianças deveriam cantar todos os dias. Deveriam fazer música. Deveriam aprender a tocar pelo menos um instrumento. Meu amigo Steen Larsen, entre jocoso e sério, acha que todos devemos tocar pelo menos três instrumentos. Segundo Steen, a execução musical exige disciplina pessoal, atenção, capacidade de se concentrar. E mais que tudo: música é prazer. E Steen leva isso tudo muito a sério. Há uns quatro anos gravou, na Dinamarca, um disco só de tangos. E ele não é um músico profissional. É um psicólogo metido de corpo e alma em tramas da educação.

Como ando buscando memórias dos anos sessenta, achei que convinha repartir com vocês uma de minhas descobertas: Ginette Reno. Aqui ela canta um twist, ritmo das brincadeiras (inocentes bailinhos dos fins de semana) dos idos de 1960. Vale a pena curtir.

Terra vista de Marte

Acabo de ver isso no Boing Boing. É uma foto de nosso planeta e satélite vistos por equipamentos de uma missão ao planeta vermelho. Lindo.

Wednesday, June 04, 2008

Um Vídeo de Mike Gates Gill



Quem se interessou pelo post anterior pode ver o autor de How Starbucks Saved My Life neste vídeo feito numa conversa com empregados da Google.

Tuesday, June 03, 2008

Novas aprendizagens aos 63 anos

Faz umas três semanas que acabei de ler um livrinho surpreendente, How Starbucks Saved My Life. É uma história verdadeira e improvável. Michael Gates Gill, o autor, foi executivo de uma grande empresa de publicidade. Poderoso e amigo de gente também muito poderosa. Aos cinquenta e três anos foi demitido. Uma moça que ele ajudou a subir na empresa foi quem lhe comunicou a notícia.

Desempregado, Gates, criou uma consultoria e foi levando a vida até ficar completamente quebrado aos sessenta e dois anos. Aos sessenta e três esperava inutilmente chamado de algum cliente. Tomar café numa loja Starbucks era seu último luxo. Um dia, entrou numa Starbucks onde gerentes de várias unidades de Nova Iorque participavam de um dia de recrutamento. Ele não viu a faixa que anunciava o evento. Entrou como de costume na loja, pediu o seu café e acomodou o celular à espera de chamadas de clientes que jamais ligavam. Mais um dia de um velho desempregado e sem esperança.

De repente, surge à sua frente uma moça negra e bonita, vestindo o uniforme da grande rede de cafés, que lhe pergunta: "quer trabalhar comigo?". Pergunta inusitada. Sem pensar, Gates deu uma resposta automática: "quero". A moça se apresentou, informou que era gerente de uma loja distante, anotou os dados de Mike e lhe disse que entraria em contato.

Dias depois Mike recebeu um telefonema. Era a moça. Convidava-o para uma entrevista. Ele foi aprovado. Começou na faxina. Mais tarde foi aprendendo outras funções na Starbucks até dominar todas as rotinas de serviço e atendimento típicos da grande rede. Vive uma vida com a qual nunca sonhara. Seus parceiros de trabalho são quase todos muito jovens. São quase todos negros. São quase todos oriundos dos "projetos",aqueles bairros de cortiços da área de Nova Iorque. Aprende um trabalho braçal e exigente do ponto de vista físico. Convive com seus novos companheiros que o aceitam sem restrições aparentes.

O episódio todo é um exemplo bonito de aprendizagem. Mike aprende não apenas uma profissão. Aprende a viver de novo. Reflete sobre seus velhos valores. Arrepende-se de sua auto-suficiência e falta de sensibilidade dos tempos de executivo poderoso. Ganha novo sentido para a sua vida. Aprende que a elite é, em muitos sentidos, ignorante. Relembra, agora com toda a carga de significado que sua atuação no Starbucks dá ao texto, um velho dito de Fitzgerald:

Work is Dignity


Wednesday, April 30, 2008

Avaliação do videojogo

Hoje o Secretário do Trabalho viu o videojogo Caminhos do Trabalho. Ele fez um comentário entusiasmado: "esse material fala sobre vida...". Gostei. Era essa a nossa intenção: criar um ambiente vivo com o qual o trabalhador estudante pudesse dialogar. Evitamos na produção todo e qualquer "pedagogês". Evitamos também todo e qualquer academicismo. Evitamos, finalmente, aquele didatismo chato odiado por espectadores super alfabetizados em tecnologias da imagem.
É provável que acadêmicos e didatas critiquem o modo de abordar o desemprego e a busca por trabalho de nosso herói. Isso será mais um ponto a favor, mostrando que acertamos na forma e no conteúdo.

Tuesday, April 29, 2008

Videojogo Caminhos do Trabalho

Ficou pronto o Videojogo Caminhos do Trabalho, um vídeo construído nos moldes da série Decisions/Decisions de Tom Snyder. Trata-se de uma produção da Fundação Padre Anchieta para o projeto Qualificação Profissional da SERT (Secretaria de Emprego e Relações de Trabalho do Estado de São Paulo).
A idéia central é a de oferecer aos alunos, trabalhadores com biografias que revelam dificuldades para encontrar e manter emprego numa economia mutante e exigente, a oportunidade de tomarem decisões bem fundamentadas em aventuras de busca de trabalho. Tudo começa com uma situação problema cujo desdobramento se abre para diversos caminhos. Os alunos, em grupo, discutem a situação e tomam uma decisão informada por seus conhecimentos. A história continua de acordo com a decisão tomada e termina com novos desdobramentos que precisam ser discutidos antes da escolha de um novo caminho. E assim as coisas caminham durante cinco ou seis rodadas. A história termina em algum ponto da vida do herói de acordo com as escolhas feitas pelos alunos.
Esse modelo deu origem a uma série de softwares muito interessantes. O material produzido pela Fundação Anchieta reproduz e adapta o modelo para uma história cujo enredo depende das escolhas feitas pelos alunos em cada fase de decisão.
Fernando Fonseca de Moraes, assessor de educação da Vice Presidência da Fundação e meu antigo companheiro no PIE- Programa de Informática e Educação, teve a idéia de usar o modelo de Tom Snyder numa produção de vídeo e me convidou para desenvolver a estrutura inicial do material. No processo, o trabalho competente do roteirista Márcio Araújo deu vida à proposta. E o mesmo Márcio dirigiu as gravações. O produto final está muito bom. Agora só falta ver como os professores vão dar alma ao videojogo. Informações mais detalhadas sobre Caminhos do Trabalho seguirão em outros posts. Por enquanto eu só queria fazer um registro de uma produção da qual tive o privilégio de participar.

Wednesday, March 19, 2008

Construtivismo



Minha vizinha de sete anos estuda numa escola de elite aqui de São Paulo. Ontem ela me procurou para pedir ajuda, pois não conseguia resolver um exercício de inglês. Eu e meu filho embarcamos na ajuda pedida. E antes que alguém nos acuse de não deixar que uma criança construisse seu próprio conhecimento, esclareço que a professora havia dito à minha adorável vizinha que, em caso de necessidade, ele poderia buscar socorro.
Mas meu registro sobre construtivismo nada tem a ver com a intervenção de dois adultos na solução de um problema de responsabilidade de uma criança. Não. Quero mostrar, com um exemplo, a enorme distância que há entre os discursos construtivistas dos pedagogos (diretores e coordenadores pedagógicos) e a educação nossa de cada dia.
O exercício que minha amiga nos trouxe tinha duas partes. A primeira consistia num desafio de ordenar corretamente, numa frase que fizesse sentido em inglês, uma relação de palavras. Lembro-me do primeiro caso. O exercício apresentava o seguinte conjunto de palavras que deveriam ser reordenadas: black London are taxis the. Havia mais cinco outros conjuntos de palavras. Todos sobre o tráfico em Londres. Num deles havia a informação de que 4.5 milhões de pessoas andam de ônibus na capital inglesa todos os dias. Num outro conjunto dizia-se que há cerca de 20000 taxis em Londres. Minha pequena amiga estava completamente perdida. Os motivos eram muitos. Ela não entendia essa coisa de reordenar palavras para fazer frases. Desconfio que tal conceito sintático ainda não é algo que possa integrar seu repertório cognitivo (se algum piegetiano de plantão puder me dar uma resposta sobre isso, agradeço). Outra coisa, ela me disse que não conhecia o número 20000. E certamente não ajudei muito quando lhe disse que ele era o twenty thousand. Idem com relação ao 4.5 million.
Além de desafios que a meu ver estão muito distante das capacidades cognitivas de crianças de sete anos, o dito exercício abordava duas situações inteiramente ausentes do repertório de qualquer aluno do primeiro ano do ensino fundamental: tráfego e cidade de Londres. Problemas de tráfego, transformados em enormes cifras, e noções geográficas sobre a área metropolitana de Londres não me parecem algo familiar para qualquer criança paulistana. Mesmo que minha pequena vizinha soubesse com lidar com os problemas sintáticos de reordenação de palavras, duvido muito que ela entendesse o assunto abordado pelo exercício.
Ficou-me a impressão de que a professora copiou o citado exercício de algum livro de inglês para adultos. Ensino de língua estrangeira não é minha praia, mesmo assim ouso dizer que reordenação de palavras para formar frase não é um exercício recomendável (acho a coisa muito artificial). Mas se algum linguista de plantão me disser que tal desafio é de grande utilidade, mudo minha opinião.
A segunda parte do exercício era uma lista de verbos no presente, com um pedido: coloque cada verbo no passado. Não vou atazanar a paciência de ninguém falando sobre o artificialismo de lições como essa.
Para fazer a crítica que fiz ao problema que minha pequena vizinha tinha de resolver não é preciso qualquer fundamentação teórica. Basta bom senso. E eu me pergunto: onde estão os construtivistas que orientam o ensino na cara escola onde estuda minha adorável amiga? Elaborando mais um comunicado para para dizer como a instituição é avançada em termos didático-pedagógicos?

Sunday, March 02, 2008

Tecnologia é Imaginação


A revista Quaderns Digitals acaba de publicar um número especial, comemorativo de seus treze anos. No mundo digital, treze anos são quase um século... Fui honrado com convite para enviar uma colaboração. Em atendimento ao pedido do Quaderns, escrevi um artigo que procura explicar uma chamada que fiz muitas vezes em 2007:

Tecnologia = Ferramenta + Imaginação

Elaborei um escrito ao qual dei o título de Tecnologia é Imaginação: Considerações sobre o uso de ferramentas em educação. Para encontrar o número especial de Quaderns Digitals e meu artigo, basta entrar no portal da revista, clicar sobre a expressão [+] revistas (em azul e letrinhas pequenas), procurar Quaderns Digitals número 51 e navegar pelos textos que despertarem sua curiosidade. BTW, Quaderns Digitals é uma referência muito útil para quem trabalha com tecnologia educacional.

Monday, February 18, 2008

Educação: não há vagas para velhos



Faz algum tempo que comentei neste espaço demissão de uma professora que a escola considerou muito velha (tinha um pouco mais que cinquenta anos). O que não revelei na época foi que uma das orientações que a mencionada instituição de ensino vem utilizando para "renovar" seus quadros é determinada pela assessoria de marketing. Esta última decretou que os jovens alunos querem professores mais próximos de sua faixa etária, sintonizados com os valores e gostos da moçada. Um dia qualquer, quero examinar aqui com mais vagar a crescente influência das assessorias de marketing nos projetos pedagógicos das escolas privadas. Mas, agora, quero voltar à questão da idade no trabalho educacional.
Os dados demográficos mostram tendência de um crescimento expressivo do grupo de idade que já atravessou a barreira dos sessenta. E os muitos cuidados de saúde preventiva resultam em senhoras e senhores, de sessenta ou mais anos, com muita disposição, capacidade, competência, vontade de viver. Ao mesmo tempo, as faixas de menos idade estão acusando reduções significativas. Proporcionalmente, um número menor de crianças estará entrando nas escolas nas próximas décadas. Pessoas, antes consideradas idosas, continuarão a precisar de atualização e aprendizagem de novos conhecimentos, para viver e para trabalhar. A preocupação quase que exclusiva com a educação das "crianças" dará lugar a uma visão mais equilibrada de educação permanente. E os educadores não podem deixar isso para amanhã. A hora é agora.
Mudo o rumo da conversa de novo. Quando comecei este post queria mais era contar um fato ocorrido no final de 2007. Uma escola católica em processo de encerramento de atividades, abriu espaço para que uma freirinha de um grande colégio conversasse os alunos. Na conversa, classe a classe, a irmã oferecia seu colégio como solução de continuidade de estudos numa instituição simular à que estava fechando suas portas. No big deal, diriam os gringos. Apenas uma ação entre amigos. E acho até legítimo que isso tenha acontecido. Mas houve uma outra conversa da freirinha que não me agradou.
Na sala dos professores, alguém se dirigiu à irmã para um perguntinha: "a senhora está aqui recrutando alunos para seu colégio, sabe que nossa escola vai fechar; há algum plano para aproveitar nossos professores?". A pergunta fazia sentido. Os professores da casa iriam perder seu emprego. Nada mais justo saber se a freirinha estava considerando a possibilidade de aproveitar docentes da escola que cessava atividades. Resposta da irmã: "posso considerar alguns currículos, mas apenas os de professores com menos de trinta e cinco anos". Preocupante, não? A populçao envelhece. Os velhos são cada vez mais saudáveis. O número de crianças e jovens tende a cair. E certos educadores estão afastando talentos maduros de suas instituições.

Monday, February 04, 2008

Meu boletim do quarto ano primário

Sexta passada, minha mãe me deu um belo presente, o boletim que registra minha vida escolar no Grupo Escolar Coronel Francisco Martins, lá da Franca, ano de 1956. Os dados mostram um aproveitamento medíocre. Fui aprovado com a nota sete. Em 1956 recebi, nos dez meses letivos, sete setes, dois seis e meio, e um seis. Como vêem, meu quarto ano de grupo escolar não é um período de brilho acadêmico. Nada do que orgulhar-se.
Mas não dou essa notícia apenas para mostrar minha mediocridade. Ao ver meu velho boletim, lembrei-me do nosso fantástico professor, Seu João Madureira. Ela nos via com crianças amadurecidas precocemente, dada a dura realidade da grande maioria de seus alunos, gente pobre que, logo após o primário, iria trabalhar nas fábricas de sapato da Franca. Por isso conversava conosco como se fôssemos adultos que deviam compreender certas verdades da vida.
Um dia João Madureira nos falou sobre notas. Disse-nos que elas não retratavam necessariamente inteligência ou capacidade. Mostrou que alguns alunos (o Mendonça, filho de professora por exemplo) tinham boas notas porque recebiam muito apoio familiar. Além disso, tinham onde estudar em casa. E concluiu dizendo que qualquer um de nós, caso nos fossem dadas oportunidades, poderia fazer ginásio e colegial. Nossas notas não retratavam o que éramos capazes de fazer.
Acho muito improvável que algum professor de 4° ano tenha conversas com essa com seus alunos nos dias de hoje. Talvez nem ele nem seus alunos tenham consciência clara das determinações de classe sobre a vida escolar das crianças. Eu tive sorte. Fui aluno do Professor João Madureira.

Wednesday, January 30, 2008

Mensagem para uma jovem educadora

Ano passado, entusiasmada com as possibilidades comunicativas da Internet, certa estudante de pedagogia começou a publicar um blog muito simpático. Visitei o espaço diversas vezes e incentivei a iniciativa da moça. Uma dia, porém, ela postou uma mensagem que me deixou preocupado. Tratava-se de um texto que resumia um estudo histórico sobre educação no Brasil. O escrito refletia uma visão histórica que Gardner chama de modelo "mocinho bandidos", exaltando uma determinada tendência e desconsiderando todas as demais. Tal visão da história é lastimável, mais ainda quando é promovida por educadores. Ela é parcial, simplificadora, reducionista, ingênua etc. E, sobretudo, resulta num entendimento equivocado da aventura humana de dar sentido à vida. Não quis comentar o texto da moça no próprio blog. Mas encaminhei a ela uma longa observação em privado. Reproduzo aqui minha mensagem na esperança de que ela possa ajudar jovens educadores a ver a história da educação com mais cuidado.

Olá, xxxxxxx.

Ótimo o seu blog. Siga em frente. Se você conseguir mantê-lo durante todo o curso, poderá construir um magnífico registro de aprendizagem. Acho que, de alguma forma, sou um pouquinho responsável por essa aventura. Não deixe, portanto, de me cobrar participação, palpites colaboração.

Em seu post anterior há alguns registros sobre movimentos educacionais que merecem alguns reparos. Você fez um resumo de um resumo e, talvez por isso, perdeu alguma substância. Como o espaço aqui é pequeno, farei observações telegráficas:

1. Educação Tradicional. Não foi 'fundada pelos jesuítas' em 1549. A data marca o início de oferta de educação sistemática em colégios jesuítas no Brasil. Cabe ressaltar que, em sua época, os jesuítas propõem uma educação que tem muitos aspectos inovadores. No caso brasileiro, há inovações interessantes no uso de música e teatro na educação dos indígenas. É claro que há aspectos ideológicos que devem ser considerados, mas precisamos entendê-los no tempo. Outra coisa, o rótulo 'Educação tradicional' é aplicado a uma gama muito grande de movimentos educacionais. Mas é preciso reparar que há diferenças notáveis entre as diversas educações abrangidas por tal rótulo.

2. A Escola Nova não começa em 1932. A data marca a publicação de um documento importante, o Manifesto dos Pioneiros. A Escola Nova é um movimento cujas raízes remontam às últimas décadas do século XIX. Chegou mais tarde ao Brasil, mas de qualquer forma apareceu por aqui bem antes do Manifesto de 32. O ideais da Escola Nova são hoje predominantes. O que não quer dizer que sejam corretos. Nem que sejam necessariamente melhores do que alguns aspectos da Educação Tradicional. A história não é uma narrativa que separa mocinhos (Escola Nova) e bandidos (Educação Tradicional). É algo com mais nuances, detalhes, caminhos alternativos, matizes (muitas e muitas cores, em vez de apenas preto e branco...). Algumas das convicções escolanovistas são bastante contestáveis...

3. Sua explicação sobre Escola Tecnicista também é problemática. Certamente o tecnicismo não tem com ponto de partida o ano de 1964. Esse é ano em que começa a ditadura no Brasil... O tecnicismo tem seus começos em data mais distante e não é um movimento de contornos tão nítidos como alguns livros didáticos sugerem. Nem é também um movimento do qual resultam ensino individualizado, recursos audiovisuais etc. Cada uma dessas coisas tem uma história um pouquinho mais complicada (os audiovisuais, por exemplo, têm a ver com coisas como a invenção da fotografia, do cinema, do rádio, do disco, da possibilidade de reprodução massiva das imagens etc.). Os laboratórios de audiovisuais existiram bem antes da ideologia tecnicista (cabe lembrar que certa 'ciência da educação' - marcada por estudos da psicologia da aprendizagem por volta dos anos 10 e 20 do século passado - foi muito utilizada tanto por escolanovistas como por tecnologistas).

4. Finalmente, cabe observar que as tendências críticas na educação brasileira não têm como data fundante o ano de 1983 ou o fim da ditadura. Movimentos de educação crítica são marcantes nos inícios dos anos 60, às vésperas do golpe militar. A pedagogia de Paulo Freire começa em tal época. Ao lado dela, outros movimentos notáveis apareceram em nossa terra. Um deles é a história belíssima de educação popular construída no município de Natal, RN, com o prefeito Djalma Maranhão, cujo secretário de educação., Moacir de Góes, escreveu uma memória imperdível sobre a experiência: o livro "De Pé No Chão também se aprende a ler e escrever".

Como você pode ver, não convém usar rótulos muito definitivos para designar fases ou movimentos históricos. Tais movimentos existem, são marcas ideológicas importantes, mas é preciso entendê-los em seu desenrolar no tempo. No geral eles não têm uma data fundante. Começam devagar, em várias partes, e vão ganhando contornos definitivos no tempo. Outras vezes sequer são movimentos. São mais rótulos dados por alguém que tenta simplificar a história. A meu ver é isso que acontece com o título "Educação Tradicional". Historicamente não há tal movimento. A "Educação Tradicional" é muito mais uma invenção de escolanovistas que queriam desacreditar a educação clássica, sobretudo nos Estados Unidos. E Educação Clássica não é necessariamente 'tradicional'.

Fiz as observações aqui registradas com uma intenção: chamar a sua atenção para um trato mais equilibrado da história. Louvo sua disposição em traçar amplos panoramas sobre a educação em nossa terra. Continue com tal interesse. Acho que muitos educadores não têm esse gosto (o que é uma pena). Em parte isso é culpa da Escola Nova, um movimento que colocou os estudos históricos num plano secundário. Mais sobre o assunto, se lhe interessar, pode ser objeto de conversa nossa em outra ocasião.

Continue o ótimo trabalho. Grande abraço,
Jarbas Novelino Barato

Sunday, January 27, 2008

Afro-brasileiro



Na seção Ilustrada, a Folha de S. Paulo publica hoje (27-01-08) um texto do Ferreira Gullar que merece ser lido. A crônica do Gullar nada mais é que uma série de perguntas que problematizam algumas unanimidades do politicamente correto. Quero comentar uma das perguntas que lá aparecem: "Designar negros e pardos como afro-brasileiros significa que brasileiros são apenas os 'brancos'?".
A partir da pergunta, fiquei pensando como adjetivar a minha condição de cidadão deste país. Se obedecer a lógica da questão colocada pelo Gullar, tenho de me apresentar, na ordem decrescente de minhas raízes, como lusitano-ítalo-afro-índio-brasileiro. Esta é uma solução fundada na genética e do que sei dos meus ascendentes de 1700 para cá. Mas ela não seria aceita nas eras racistas dos Estados Unidos. Naquela época, qualquer vinculação provável com algum ascendente negro era motivo suficiente para caracterizar uma pessoa como preto (hoje, afro).
Parece que a boa intenção de utilizar o prefixo afro para designar a condição de pessoas que têm ascendência da mãe África não é uma boa idéia. Parte significativa da população brasileira merece o adjetivo, mas não pode utilizá-lo com exclusividade. Vai ter de misturá-lo em doses variáveis com luso, germano, nipo, polaco, hispano, russo, grego, sírio, libanês etc. Ou, se predominar a perspectiva de que a mancha negra é indelével e anula as demais origens, o adjetivo afro acabará sendo a marca da grande maioria do povo brasileiro.
Há ainda uma outra possibilidade que precisa ser considerada. Ao que tudo indica nossa espécie surgiu nas savanas da África numa data que os especialistas situam por volta de 150 mil anos atrás. De lá, o inquieto homo spiens, migrou para o atual Oriente Médio há uns 60 mil anos (talvez mais cedo que isso). E nos anos subsequentes foi ocupando todas as áreas do planeta. Em resumo, somos todos africanos. Daí, cada um de nós pode usar com muita propriedade o adjetivo afro. Assim, aquele sueco loirinho, nascido no país nórdico deve, com fundadas razões científicas, ser designado como afro-sueco.
Toda essa fala sobre o texto do Gullar não é conversa fiada. Ela mexe com uma questão importante, o racismo. Ela também mostra a necessidade de que conheçamos com mais propriedade nossas raízes africanas. Mama África é a casa original de todos os seres humanos.

Tuesday, January 22, 2008

Ensino facilitário e aluno cliente

Acrescento à conversa sobre ensino facilitário esta excelente observação de Gabriel Perisse:

O aluno visto como "cliente" só porque paga a mensalidade de uma escola ou faculdade. Nada mais injusto. Reduzir o aluno a cliente é prestar-lhe um péssimo serviço. Ele paga para ser exigido. Para aprender a pensar. Para duvidar e construir certezas. Para errar e aprender com o erro. Para aprender a aprender, respeitando o professor, esse "estudioso profissional".

Mais outras observações que podem gerar boas conversas nos espaços educacionais podem ser encontradas no blog do Perisse. Não deixe de visitar.

Monday, January 21, 2008

Ensino facilitário

Para a gente continuar a conversa que iniciei com aquele post sobre dor e aprendizagem, sugiro uma leitura de recente mensagem que apareceu no ótimo De Rerum Natura. Há muita fala dos educadores sobre o bem estar dos alunos. Mas essa fala toda, quando vira proposta de ensino, prejudica acima de tudo os próprios alunos. Vejam isso e muito mais no post Educação dos jovens.

Porco Assado


Boas histórias acabam sendo recontadas. E cada vez que alguém as reconta, mudam-se personagens, enredos, ênfases. É o preço da fama (das histórias) e da falta de cuidado (dos recontadores) na busca de referências. Uma das histórias que recontei tem a seguinte estrutura: guerreiros de uma tribo percorrem trecho da floresta após um incêndio; encontram pelo caminho volumes negros com cheiro bom; experimentam; alimento delicioso; eram porcos que não conseguiram escapar do fogo; porcos assados; os volumes foram levados para aldeia; aconteceu o primeiro churrasco do planeta; dias mais tarde, a tribo queria mais porco assado; os sábios estudaram o problema; decidiu-se incendiar parte da floresta; nenhum porco assado foi encontrado; um visitante propõe método diferente: caçar porcos, prendê-los num cercado, assar porcos numa fogueira sempre que a tribo quisesse mais um churrasco; proposta rejeitada: mudava completamente a maneira conhecida de assar porcos; incêndios continuam; porcos fogem; nada de churrasco; floresta acaba; nunca mais houve churrasco; a tribo, apesar de não conseguir mais porcos assados, reuniu vasta experiência de como queimar florestas.
Reescrevi a tal história a partir de uma narrativa feita por Emílio Sandin Marques, do IPEA, numa palestra em 1978. E usei o material como ponto de partida para conversas sobre planejamento educacional. Nunca soube, porém, qual era a versão original de "Porco Assado". Agora, trinta anos depois, descobri, por acaso, como tudo começou. No livrinho Os pioneiros do pragmatismo americano , John Shook informa que a história que recontei era utilizada por Dewey para conversas sobre meios e fins no campo da ética. Mas o autor da história não é o grande educador americano. Ele, corretamente, dava crédito a Charles Lamb. A versão utilizada por Dewey é que segue:
A primeira vez que se provou porco assado foi quando um acidente fez incendiar uma casa onde confinavam porcos. Enquanto vasculhavam os escombros, os proprietários tocaram nos porcos chamuscados pelo fogo, provocando queimaduras superficiais em seus dedos. Ao levar impulsivamente os dedos queimados às suas bocas, para resfriá-las, eles experimentaram um novo sabor. Como gostaram do sabor, passaram a construir casas, povoando-as com porcos, e depois incendiando-as (cf. p. 161)

Friday, January 18, 2008

Desafios e aprendizagem

Acabo de ler O Erro de Descartes, de António Damásio. Recomendo para qualquer pessoa que queira conhecer interessantes fatos e hipóteses sobre o cérebro humano. A linguagem é gentil e agradável. O assunto é ilustrado por casos de muito interesse humano. Os detalhes biológicos são sempre explicados de uma forma acessível. Este post, porém, não é só uma recomendação de leitura. Quero aproveitar a oportunidade para falar sobre um tema que, volta e meia, merece registros neste espaço: diversão e aprendizagem.
Para começo de conversa, cito aqui o parágrafo final do Erro de Descartes:
A dor e o prazer não são imagens gêmeas ou simétricas uma da outra, pelo menos não o são em termos de suas funções no apoio à sobrevivência. De certa forma, e a maior parte das vezes, é a informação associada à dor que nos desvia do perigo iminente, tanto no momento presente como no futuro antecipado, É difícil imaginar que os indivíduos e as sociedades que se regem pela busca do prazer, tanto ou ainda mais que pela fuga à dor, consigam sobreviver. Alguns dos desenvolvimentos sociais contemporâneos em culturas cada vez mais hedonistas conferem plausibilidade a essa idéia, e o trabalho que meus colegas e eu atualmente realizamos sobre a base neural das várias emoções reforça ainda mais essa plausibilidade. Há mais variações de emoção negativa que de emoção positiva, e é claro que o cérebro trata de forma diferente essas duas variedades. Talvez Tolstoi tenha tido uma intuição semelhante quando escreveu no início de Ana Karenina : "Todas as famílias felizes são parecidas umas com as outras, cada família infeliz é infeliz à sua maneira".


Damásio mostra que a dor é um alarme que leva o organismo a aprender, a ficar atento, a buscar um novo caminho, a se cuidar. Ela é um lance importante em jogos de sobrevivência. O prazer, infelizmente, não tem tais virtudes. Nele o organismo se acomoda, deixa de ter atenção, descuida-se das pistas ambientais.
É preciso cuidado com as palavras aqui utilizadas. A dor, para Damásio, não é apenas aquele incômodo do qual queremos (e, geralmente, precisamos) nos livrar. Ela é uma mudança importante na paisagem do corpo. Por isso chama a nossa atenção. Por isso ensina. Permito-me utilizar as idéias do autor no contexto educacional. O processo de aprendizagem é um processo de mudança. Por isso incomoda. Pode trazer certo desconforto. Tem certa analogia com a dor, principalmente quando o desafio a ser enfrentado é de caráter intelectual e mexe fortemente com nosso conforto. As condições necessárias à aprendizagem são desafios que mexem com a tanquilidade da paisagem já estabelecida de nossas crenças ou ignorâncias.
Apresento aqui uma idéia que contraria os sonhos atuais de como deve ser a escola: um local de prazer e diversão. No campo da tecnologia educacional, essa tendência produziu, por exemplo, programas irrelevantes na linha do edutainment (educação com ou pela diversão). Uma experiente professora d matemática me disse certa vez que as orientações que recebia indicavam que a única matéria que poderia integrar currículos escolares era educação física. Provavelmente ela se referia a aulas de educação fisica que são sinônimos de jogo.
Já escrevi demais. É hora de colocar um ponto final neste post. E coloco-o insistindo na idéia de que aprender é um desafio, não um mergulho em fluxos prazerosos que não exigem claramente mudança, nem provocam desconforto que precisa ser superado em aventuras de encontrar novas formas de viver.