Wednesday, March 19, 2008

Construtivismo



Minha vizinha de sete anos estuda numa escola de elite aqui de São Paulo. Ontem ela me procurou para pedir ajuda, pois não conseguia resolver um exercício de inglês. Eu e meu filho embarcamos na ajuda pedida. E antes que alguém nos acuse de não deixar que uma criança construisse seu próprio conhecimento, esclareço que a professora havia dito à minha adorável vizinha que, em caso de necessidade, ele poderia buscar socorro.
Mas meu registro sobre construtivismo nada tem a ver com a intervenção de dois adultos na solução de um problema de responsabilidade de uma criança. Não. Quero mostrar, com um exemplo, a enorme distância que há entre os discursos construtivistas dos pedagogos (diretores e coordenadores pedagógicos) e a educação nossa de cada dia.
O exercício que minha amiga nos trouxe tinha duas partes. A primeira consistia num desafio de ordenar corretamente, numa frase que fizesse sentido em inglês, uma relação de palavras. Lembro-me do primeiro caso. O exercício apresentava o seguinte conjunto de palavras que deveriam ser reordenadas: black London are taxis the. Havia mais cinco outros conjuntos de palavras. Todos sobre o tráfico em Londres. Num deles havia a informação de que 4.5 milhões de pessoas andam de ônibus na capital inglesa todos os dias. Num outro conjunto dizia-se que há cerca de 20000 taxis em Londres. Minha pequena amiga estava completamente perdida. Os motivos eram muitos. Ela não entendia essa coisa de reordenar palavras para fazer frases. Desconfio que tal conceito sintático ainda não é algo que possa integrar seu repertório cognitivo (se algum piegetiano de plantão puder me dar uma resposta sobre isso, agradeço). Outra coisa, ela me disse que não conhecia o número 20000. E certamente não ajudei muito quando lhe disse que ele era o twenty thousand. Idem com relação ao 4.5 million.
Além de desafios que a meu ver estão muito distante das capacidades cognitivas de crianças de sete anos, o dito exercício abordava duas situações inteiramente ausentes do repertório de qualquer aluno do primeiro ano do ensino fundamental: tráfego e cidade de Londres. Problemas de tráfego, transformados em enormes cifras, e noções geográficas sobre a área metropolitana de Londres não me parecem algo familiar para qualquer criança paulistana. Mesmo que minha pequena vizinha soubesse com lidar com os problemas sintáticos de reordenação de palavras, duvido muito que ela entendesse o assunto abordado pelo exercício.
Ficou-me a impressão de que a professora copiou o citado exercício de algum livro de inglês para adultos. Ensino de língua estrangeira não é minha praia, mesmo assim ouso dizer que reordenação de palavras para formar frase não é um exercício recomendável (acho a coisa muito artificial). Mas se algum linguista de plantão me disser que tal desafio é de grande utilidade, mudo minha opinião.
A segunda parte do exercício era uma lista de verbos no presente, com um pedido: coloque cada verbo no passado. Não vou atazanar a paciência de ninguém falando sobre o artificialismo de lições como essa.
Para fazer a crítica que fiz ao problema que minha pequena vizinha tinha de resolver não é preciso qualquer fundamentação teórica. Basta bom senso. E eu me pergunto: onde estão os construtivistas que orientam o ensino na cara escola onde estuda minha adorável amiga? Elaborando mais um comunicado para para dizer como a instituição é avançada em termos didático-pedagógicos?

4 comments:

Anonymous said...

Ola Professor tudo bem?

Bom eu estava de bobeira na net quando resolvi passar no boteco, vi a nova fachada. Gostei.
Resolvi, então, dar uma passadinha em vosso blogger para ver como andam as coisas por aqui e, por questão de lógica, não poderia deixar de comentar seu ultimo post.
Queria refletir um pouco acerca do relato.
Talvez haja uma falsa idéia implantada e difundida ideologicamente sobre construtivismo e, mais ainda, uma outra idéia, não menos falsa ideológica, sobre o papel da escola neste processo de construção do conhecimento.
Se o construtivismo pode ser distinguido como o processo educacional que permite aos homens e mulheres a construção do conhecimento através de estímulos externos que, ao agirem sobre os humanos e humanas possibilitam, a estes e estas, a construção e organização dos conhecimentos, de forma cada vez mais elaborada, fica, ao menos a mim, um tanto difícil compreender o uso, e entendimento, desta teoria de aprendizagem em colégios intitulados como “colégios de elite”.
A elite dominante quer, defende e pratica a educação bancária. Não é muito interessante a essa elite que, por exemplo, as pessoas “construam conhecimentos” sobre os problemas locais. Sobre a desumanização local, a “coisificação” do homem. Interessa sim, a elite, a formação de um ser alienado. Um ser que conhece aquilo que seja por ela validado, legitimado e definido.
A indignação do senhor em relação ao método aplicado é a mesma que tenho quando tento buscar a resposta à pergunta: A serviço de quem está a educação desta escola?
Essa “prática descolada da teoria” é, a mim, apenas mais uma denuncia dos valores e conceitos que a escola tem sobre os homens e mulheres, sobre conhecimento, sobre educar, sobre vida.
Não consigo, talvez por ingenuidade ou ignorância, ver uma escola de elite que siga os princípios construtivistas, pois, a mim, uma escola que serve à elite dominante pode, em sua teoria, anunciar um projeto de homem como “homem construtor de conhecimento”, mas, fatalmente, em sua prática terá que abrir mão de tal anuncio. Tal visão, de homens e mulheres como construtores de conhecimento, também é, por extensão, de homens e mulheres como construtores de sua cultura e de seres por ela construídos.
Ao anunciar, porém, o homem como construtor de culturas essa escola terá que, em algum momento, explicar, ao seu aluno, que a elite criou culturas de exclusão, culturas de violência, culturas de colonização cultural e não creio que ela o faria. É, mais fácil, a escola da elite, e mais coerente àqueles que ela serve, apenas ensinar a cultura como algo dado, como pronto. É assim pois sempre foi assim, e assim sempre será.
Logo deixo aqui a minha indignação, mas não aos que se dizem construtivistas e não o são, mas sim aos que se dizem humanos e não são. Aos que anunciam que o mundo é belo para poucos, pois sempre foi assim e nós não podemos fazer nada para mudar. Aos que negam a verdade à criança para que ela cresça na cegueira do capitalismo. Por fim, aos que coisificam os homens e mulheres para que aqueles possam comprar suas “coisas” (seja uma t.v., seja uma babá) com mais conforto.
O educador pode, enquanto humano, errar por não conhecer uma teoria, mas é injusto, consigo e com a humanidade, quando mente para justificar ações desumanizadoras.
Bom, fico por aqui, pois já falei de mais de algo que sei “de menos”.
Deixo sinceros abraços
Nivaldo Junior

Lata Mágica Recife said...

Alguns dos pontos turísticos mais visitados do grande Recife, é a Rua da Aurora, com seus casarios e esculturas. Registrados sobres as câmeras artesanais do Lata Mágica Recife.

Espero que gostem, um abraço dos amigos da lata:

Willam & Odilene

Anonymous said...

Caro Jarbas,

Passei aqui pelo Aprendente, e resolvi conferir. Gostei da análise e quase nada tenho a acrescentar. Comento apenas o tema da lição supostamente construtivista ou construcionista: "Havia mais cinco outros conjuntos de palavras. Todos sobre o tráfico em Londres."
Pela palavras listadas, parece-me que o tema é mais sobre TRÁFEGO. embora os dicionários de Português consagrem TRÁFICO e TRÁFEGO como sinônimos, o uso mais comum da primeira palavra tem sido para a movimentação ilegal de drogas, influência, crianças ou mulheres do que para a circulação de carros, caminhões, pedestres e bicicletas ao amparo da lei, mais comumente denominados como TRÂNSITO ou TRÁFEGO.
Um abraço. Chico de Moraes

Jarbas said...

Alô Chico,

Obrigado pelo alerta quanto ao engano no uso do registro TRÁFICO, em vez de TRÁFEGO. Eu poderia me justificar dizendo que o inglês TRAFIC me influenciou. Mas esta é uma desculpa esfarrapada. Dormi no ponto, mesmo! Abraço, Jarbas