Saturday, June 09, 2007

Pesquise na Internet

O pedido ou ordem que aparece no título deste post é um dos indicadores de modernidade no ensino de nossos dias. Ou, pelo menos, é o entendimento de modernidade que predomina na mídia quando se fala em usos das novas tecnologias de informação e comunicação. Muita gente deve se lembrar de uma propaganda que tem tal indicador como fundo. Trata-se de uma história para promover um provedor de banda larga. No final da história, uma criança, que não possui a maravilhosa novidade, é apresentada como um menino das cavernas entregando sua "pesquisa" gravada em blocos de pedra. Já a criança cujo pai assinou aquele serviço da internet apresenta um volume imenso de páginas com muito texto e belas imagens.

Esse modo de mostrar as virtudes da modernidade é recorrente. Já o vi, por, exemplo, num vídeo educacional do Senac que aponta diferenças entre a antiga e a nova secretária. A primeira tem um trabalho triste, dominado por máquinas velhas, lentas, feias. A segunda vive num ambiente de trabalho alegre, e usa máquinas reluzentes, rápidas, lindas.

No ano 2000, em visita à Universidade de Guadalajara, recebi um vídeo institucional sobre trabalho docente. Nas primeiras cenas, em um mundo triste, preto e branco, o professor desastrado entra na sala de aula com uma valise surrada e usa um quadro negro que vai quebrando em pedaços o giz que não "pega". Total desinteresse dos estudantes. Nas cenas finais, brilhantemente coloridas, o mestre alegre usa datashow, encanta os alunos entusiasmados pelo que é ensinado. Há, ao que parece, um padrão único de script para todas essas histórias sobre modernidade em educação. Mas não vou analisar toda a paisagem. Quero apenas registrar observações sobre utilizações da internet.

Num post recente (04/06/2007), meu amigo Bernie Dodge tenta, mais uma vez, mostrar que não é um expert em Triângulo das Bermudas. A razão para esse cuidado do Bernie é o grande número de pedidos que ele recebe, via e-mail, de auxílios para trabalhos escolares sobre o misterioso (pseudo) fenômeno que alimenta diversas lendas sobre sumiços de aviões e barcos em certo trecho do oceano. E por que alunos de diversas escolas recorrem ao professor da San Diego State University? Porque uma velha sinopse de WebQuest que tem o Triângulo das Bermudas como um chamariz para investigações de caráter científico, confrontando mito e história, continua no ar. E em tal página, Bernie aparece como coordenador do trabalho (instructor). A sinopse não apresenta nenhum conteúdo sobre o suposto mistério do Triângulo da Bermudas. Apenas delineia possíveis caminhos que os autores da WebQuest deveriam percorrer para chegar ao produto final. Mas alunos de várias escolas continuam a recorrer ao Bernie como fonte para "projetos" que têm o misterioso fenômeno como alvo. O pedido mais recente é o de um aluno de 7ª série que está produzindo um documentário sobre o famoso Triângulo. Como acha que descobriu via internet que Bernie é um expert no assunto, o interessado solicita uma entrevista via e-mail e quer resposta rápida pois o trabalho precisa ser entregue logo (dois ou três dias).

Situação parecida com a do professor da San Diego anconteceu com o Dr. Aquiles Von Zuben, da Unicamp. Aquiles mantinha um site sobre bioética, com materiais de interesse para seus alunos de filosofia no doutorado em educação. Volta e meia, estudantes de ensino médio pediam ajuda do professor da Unicamp via e-mail e fazendo referência ao site sobre bioética. Eis aqui um desses pedidos:

Prezado Professor Aquiles,
Sou aluno de curso médio. Procurei o sentido da vida na Internet. Nada encontrei. Mande-me, por favor, uma resposta. Nada muito longo. Bastam duas páginas. E mande logo, tenho de entregar o trabalho na próxima terça. Abraço,
Fulano de Tal.

O texto é autêntico. Eliminou-se apenas o nome do aluno e alguns erros gramaticais foram corrigidos.

Os dois casos aqui narrados retratam um padrão muito frequente nas escolas. Um professor, convencido de que seus alunos devem usar novas tecnologias, faz o grande pedido: pesquisem x (sentido da vida, Triângulo das Bermudas etc.) na internet. E os alunos acionam os poderosos buscadores. Aparece uma lista imensa de fontes. Algumas dessas fontes são aproveitadas. Em muitos casos, professores, autores ou pesquisadores citados nas páginas listadas são convidados a colaborar. Mas, como mostram os casos de Bernie e Aquiles, os pedidos de ajuda não são bem informados. São mais mensagens de socorro emitidas por náufragos da internet. Tais resultados são consequência de um entendimento que o saber nascerá automaticamente de usos não estruturados das novas ferramentas de informação e comunicação. Isso indica a necessidade dos professores dominarem modelos (andaimes, mapas, scripts, roteiros) capazes de fornecer apoio suficiente para pesquisas bem feitas e significativas.Caso contrário, os náufragos do imenso mar informacional da rede internacional de computadores continuarão fazendo consultas equivocadas a professores como Bernie e Aquiles.

Ambos os casos sinalizam uma outra coisa. A página de Aquiles não era um sítio dedicado a questões como o sentido da vida. Era um repositório de textos e informações filosóficas. A página sobre Triângulo das Bermudas, construída por alunos do mestrado da SanDiego State University, não é uma fonte de informação sobre o assunto. É um roteiro de planejamento de tecnólogos educacionais. Leitores competentes jamais concluiriam, num ou noutros caso, que o coordenador da página era um expert no assunto pesquisado. Os pedidos de socorro feitos aos dois professores universitários aqui citados são sintomas ou de dificuldade de leitura ou de uma leitura muito desatenta. De qualquer forma, ambos os casos indicam problemas de leitura nessas atividades que as escolas convencionaram chamar de "pesquisa".

Cabe aqui uma observação sobre o sentido de urgência que domina nosso tempo. Os alunos consultantes querem respostas rápidas, pois os resultados precisam ser apresentados logo. Quando o professor Aquiles me contou a história aqui narrada, fez a seguinte observação: "filosofo há mais de quarenta anos sobre o sentido da vida, ainda não encontrei qualquer resposta satisfatória, aí aparece esse menino e quer uma solução imediata para o problema".

Os casos aqui contados sugerem muitos caminhos de conversa e investigação nos meios educacionais. Indiquei apenas um começo.

2 comments:

Fátima Campilho said...

Olá,
Conheço uma crônica do Drummond - Entrevista - cujo assunto é o mesmo.Por isso prefiro textos literários.
Fico com a primeira hipótese sobre leitura. A maioria dos jovens só lê por obrigação. Só há prazer na leitura de um texto quando se cria o hábito ou é justamente o contrário? Rubem Alves diz que ninguém precisa de motivação para saborear um sorvete!
Para ler e escrever, ainda prefiro o arcaico e bom papel. E olha que não tenho a idade do Ariano Suassuna. Tem coisa pior do que digitar um texto?
Pesquisa sem orientação e com professor ausente no processo, não tem solução. Os alunos permanecerão copiando e colando.
Abraços.

Jarbas said...

Oi Fátima,
Bom lhe ver aqui outra vez. Você pode me dizer onde posso encontrar a crônica do Drummond? Abraço grande, Jarbas.