Wednesday, July 14, 2010

Aprendizagem e trabalho

Acabo de responder consulta de uma estudante de mestrado que queria que eu sugerisse leituras sobre formação profissional na área de hotelaria, e sobre aprender a trabalhar. Como mais gente pode se interessar pelo assunto, reproduzo aqui a reposta encaminhada.

Cara XXXXX,

Você está ingressando numa área de investigação muito interessante. Cursos de hotelaria surgiram no Brasil a partir de referências de um aprender que se dava no interior do próprio trabalho em cozinhas, cambuzas, salas de restaurante, áreas de recepção e apartamentos de hotéis. Não sei precisar em que ano essas atividades começaram, mas no caso do Senac de São Paulo, creio que os primeiros cursos de formação de profissionais para hotelaria devem ter acontecido no início do ano de 1950. E foi na década de 50 que o Regional paulista abriu seu primeiro restaurante-escola, o "Lauro Cardoso de Almeida", que funcionou inicialmente na Rua 24 de Maio.

Evento marcante na formação profissional no campo da hotelaria foi a inauguração do hotel escola de Águas de São Pedro (salvo engano, no ano de 1968 - se interessar, é bom você conferir a data com o Senac de São paulo).

No hotel escola, os alunos de cozinha, sala e recepção atuavam em tempo integral em postos de trabalho que atendiam a clientes comuns do hotel. Todas as atividades aconteciam de acordo com ritmo e necessidade de funcionamento do hotel. O plano pedagógico não interferia naquilo que os alunos faziam em seus postos de trabalho. A atuação deles dependia de ocorrências de serviço e de julgamento da supervisão. Ou seja, cada aluno realizava técnicas de trabalho de acordo com a dinâmica de funcionamento do hotel e de acordo com o que lhes era determinado pelo chefe de cozinha, pelo maitre ou pelo chefe de recepção.

O que descrevi no parágrafo anterior corresponde àquilo que chamamos de aprendizagem corporativa. Ou seja, aprendizagem que se dava no interior das corporações de ofício. Esse tipo de aprendizagem nada tinha a ver com a didática criada para o aprender em escolas. Em vez de desenvolver o conhecimento em salas de aula, as corporações de ofício ensinavam profissões nas oficinas, e o aprendiz participava desde o primeiro instante do processo produtivo.

Penso que seria muito interessante uma pesquisa para investigar como aconteceu a formação em hotelaria nas décadas iniciais dos cursos oferecidos pelo Senac. Minha hiopótese é a de que referências da aprendizagem desenvolvida pelas corporações de ofício predominou. Os motivos para isso, entre outros, foram: não havia qualquer referência prévia, por isso a organização valeu-se da experiência de profissionais respeitados em seus respectivos ofícios (os professores de hotelaria eram profissionais com muita experiência no ramo); os educadores profissionais não sabiam como organizar a nova formação, as referências da didática escolar não lhes davam qualquer pista sobre o assunto; os educadores da casa entenderam intuitivamente que o melhor caminho de formação seria aquele tradicionalmente utilizado no interior das corporações de ofício. Repare que estou dizendo que a solução foi intuitiva. Não há registro de que o Senac tenha adotado explicitamente métodos utilizados pelas corporações. Em vez disso, apostou na experiência dos profissionais que traziam para a organização certa memória de como aprenderam a trabalhar.

O aprender no posto de trabalho era acompanhado por atividades em sala de aula. Eventualmente, havia no centro de formação laboratórios (cozinha pedagógica, apartamento modelo, laboratório de sala), mas o treinamento em tais ambientes, pelo menos no hotel escola, era apenas uma iniciação. A aprendizagem "pra valer' acontecia em ambientes de trabalho com atendimento a hóspedes comuns.

Na hotel escola há muitas circunstâncias que devem ser consideradas. Algumas vezes os maitres, chefes de recepção e chefes de cozinha eram também professores que ensinavam em sala de aula. Mas muitos supervisores, chefes e maitres não davam aulas convencionais. Apenas supervisionavam o trabalho dos alunos no postos de trabalho. Outra coisa: num mesmo ambiente ou setor havia alunos de diversos níveis - iniciantes, intermediários, concluintes. Havia também funcionários "comuns" (funcionários dos quais não se esperava nenhum papel de supervisão de ensino no local de trabalho, pois eram contratados apenas para agilizar o serviço). Assim, num dado ambiente de trabalho - o bar, por exemplo - era possível encontrar alunos de diversos níveis, chefias com função de instrutoria e funcionários comuns. Todos eles trabalhando de modo interativo para que o serviço oferecido - a clientes reais - fosse da melhor qualidade possível. Esse ambiente configura o que pesquisas recentes costumam chamar de "comunidades de prática" (tome cuidado com o uso dessa expressão; ela não designa simples execução; ela designa práticas sociais em grupos que tem um objetivo comum; no caso do trabalho, ela designa a associação de pessoas que buscam produzir uma obra bem feita).

O que se aprende em comunidades de prática não pode ser transferido para situações formais e abstratgas de ensino. Ou seja, a aprendizagem em comunidades de prática não pode ser escolarizada. Certo conteúdo técnico pode ser isolado e até ensindo como 'competência' específica. Mas ao separar técnica de seu contexto de significação, um trabalho concreto cujo fim é uma obra com a qual se identificam os profissionais, esvazia-se o conteúdo do trabalho. Este perde, entre outras, suas dimensões axiológicas (a referência dos valores), suas dimensões éticas (a referência da obra nas relações eu/outro), e até as dimensões psicológicas (a referência de um fazer que forja a identidade do profissional - "somos aquilo que fazemos").

Até aqui apontei algumas pistas que considero importantes em estudos sobre formação profissional em qualquer área. Boa parte desses meus apontamentos é resultado do estudo de duas obras indispensáveis:
  • LAVE, J. & WENGER, E. (1991). Situated Learning: Legitimate peripheral participation. Cambridge: Cambridge University Press.
  • WENGER, E. (1998). Communities of practice: Learning , meaning, and identity. Cambrige: Cambrige University Press.

Há outro livro que merece atenção no caso:

  • CHAIKLIN, S. & LAVE, J. (1996). Understanding Practice: Perpective on activity and context. Cambridge: Cambridge University Press.

Antes de mergulhar nas obras aqui citadas, é bom ler Mike Rose, que, num livro excepcionalmente bem escrito, mostra como a pessoas aprendem a trabalhar com as outras em contextos significativos. A obra de Rose foi traduzida para o português e pode ser encontrada em:

  • ROSE, M. (2007). O Saber no Trabalho: Valorização da inteligência do trabalhador. São Paulo: Editora Senac.sp.

Insisto numa leitura de Rose. Para você que é da área de hotelaria, há um capítulo imperdível, A Vida de Trabalho de uma Garçonete. A mãe de Mike sustentou a família durante mais de trinta anos com seu trabalho em restaurantes. O filho, que sabia que serviços de sala exigem muitos saberes, ao escrever sua obra sobre o conhecimento dos trabalhadores optou por começar seu livro com uma análise inspiradora sobre o ofício das mulheres que dão vida aos serviços de sala nos "family restaurants"dos Estados Unidos. Rose analisa outras profissões e o saber intrínseco que elas tem. Além de analisar conhecimento, ele faz observações notáveis sobre valores, ética, dimensões políticas
. Como disse, ler Rose é uma necessidade se quisermos entender como se dá a trama da aprendizagem na formação dos trabalhadores.

Há dois livros interessantes para estudos sobre aprendizagem artesanal:

  • RUGIU, A. (1998) Nostalgia do Mestre Artesão. São Paulo: Editora Autores Associados.
  • RUGIU, A. (1995) Il Braccio e la Mente: Un millenio di educazione divariccata. Firenze: La Nuova Italia Editrici.

Para estudos sobre aprendizagem artesanal convém ler também um livro saído recentemente:

  • SENNETT, R. (2008). The Craftsman. New Haven & London: Yale University Press (a obra foi traduzida para o português, mas não tenho em mão a versão brasileira para referenciar).

Em meus contatos recentes com pesquisadores na área, tenho conversado com Lev Mjelde, da Noruega. Lev escreu recentemente um livro que estuda diferenças entre o aprender na escola e o aprender em centros de formação profissional. As primeiras sempre foram influenciadas por aquilo que a autora chama de educação literária. Os segundos tem planos de estudo inspirados pelo aprender em oficinas. Segue referência do livro da minha amiga norueguesa:

  • MJELDE, L. (2006). The magical properties of workshop learning. Bern: Peter Lang. AG, International Academic Publishers.

Realizei estudo sobre particularidades do ensino de técnicas no Senac, sobretudo nas áreas de beleza, saúde e informática. Esse meu estudo foi publicado em livro:

  • BARATO, J. N. (2003). Saberes do ócio ou saberes do trabalho?. São Paulo: Editora Senac.sp.

Há mais informações que eu poderia elencar, mas falta-me tempo para lhe enviar uma resposta mais extensa e completa. Espero, porém ter sido de alguma ajuda. Gostaria de ser informado sobre desdobramentos do estudo que você pretende fazer. Grande abraço,

Jarbas.

TE: Não trabalho mais no Senac. Aponsentei-me na organização em 2003, mas ainda continuo ligado em estudos sobre educação e trabalho.

Wednesday, July 07, 2010

Apoio do Jagger...


Marcio Polidoro encaminhou para lista da qual participamos foto que reflete as esperanças de um canditado à presidência neste momento. A brincadeira tem graça por causa da fama de pé frio que o Mick Jagger ganhou na Copa da África do Sul.