Tuesday, July 31, 2007

Fascínio Tecnológico Emburrecedor

Numa comunicação sobre impactos das TIC's na educação, meu amigo e irmão de fé, Steen Larsen teceu comentários sobre a ambivalência do fascínio tecnológico. Para o grande educador dinamarquês, há um fascínio que aliena as pessoas (emburrece, no meu vocabulário de caboclo da roça), há um fascínio que abre caminhos para mais admirar as qualidades inventivas de nossa espécie. Na linha do primeiro tipo de fascínio, gurus da informação - Peter Drucker, por exemplo - prometiam uma superação do fordismo, do mecanicismo da linha de montagem. Falavam em invoção. Pintavam um novo mundo produtivo no qual o bem maior seria o conhecimento. Etiquetavam como conservadores todos aqueles que ousavam manifestar incertezas quanto ao rumo que as coisas iam tomando nos meios produtivos. Aproveitavam o fascínio emburrecedor para vender como positivas as mudanças que provocaram desemprego e diminuição de postos de trabalho. Argumentavam que as tecnologias da informação estavam criando uma nova economia e, consequentemente, uma nova paisagem na formação profissional, no exercício profissional e nas relações de trabalho. Consultores de RH repercutiam essas idéias falando em gestão do conhecimento, agregação do valor conhecimento a produtos, e quetais. Durante todo esse tempo, muita gente me acusou de atrasado por causa de minhas críticas e desconfianças.
Esta semana soprou para os meus lados um vento fresco sobre a matéria. Acabo de ler, no New York Review of Books, um artigo em que Simon Head esclarece que nem tudo são flores na relação entre novas tecnologias e trabalho. O autor mostra como o uso de tecnologias de microinformática, em vez de tornar o trabalho mais livre e inteligente, vem sendo uma ferramenta de maior controle do trabalhador e de rebaixamento salarial. Os comentários de Simon Head usam como referência três obras publicadas recentemente: The Social Life of Information, de John Seely Brown e Paul Duguid, Bait and Switch: The (Futile) Pursuit of the American Dream, de Barbara Ehrenreich, e The Culture of the New Capitalism, de Richard Sennett. Achei que a matéria merecia destaque aqui no Aprendente. Minha convicção ganhou maior força quando vi que o importante Portico já fez isso. Quem quiser ver um bom comentário sobre o artigo de Head pode clicar neste link.
Depois que vi a nota publicada no Portico, pintou um complexo de michamento: não consigo produzir algo com qualidade similar; melhor nem tentar. Mas a matéria merece maior divulgação. Por isso, em vez de produzir mais uma nota, vou publicar, devidamente traduzidos, alguns trechos do artigo de Simon Head. Aguardem.

Friday, July 13, 2007

Por causa de uns bagrinhos...


Semanas atrás ouvi no rádio comentário de que Lula reclamava da resistência dos ambientalistas à construção de barragens no rio Madeira. No seu estilo peculiar, o presidente declarou que obras importantes para o desenvolvimento do país estavam paralisadas por causa de uns bagrinhos. Parece que o atual ocupante do Palácio da Alvorada acha que a sobrevivência de espécies importantes de peixes (no Madeira não há somente bagres...) pode ser deixada de lado em nome do progresso.E mais, acha que a construção de tais mega barragens é o único caminho para garantir energia para a nossa economia. Nem ele nem os principais interlocutores sobre a economia do país abrem a discussão para alternativas. Entendem que a geração de energia tem de ser sempre produto de obras gigantescas.
Todas essas minhas considerações sobre os bagres do Lula nasceram de uma leitura recente. Em artigo do New York Review of Books, Tim Flannery, comenta um livro muito interessante: The Omnivore Dilemma: A Natural History of Four Meals. Flannery mostra que toda a cadeia alimentar dos americanos depende basicamente de um único cereal: o milho.Você pode não ver milho num McDonald, mas todos aqueles sandubas lá servidos têm carne e queijo de animais (vacas, porcos, galinhas) alimentados por ração à base do referido cereal. É possível ver as pistas que o milho deixa no organismo por meio de um exame químico que determina a presença de certas estruturas de carbono. Exames dessa natureza mostraram que há mais traços de milho em americanos que em mexicanos (e olha que os mexicanos não dispensam uma boa tortilla de milho por nada neste mundo).Em pelo menos um quarto dos 45.000 e poucos diferentes itens vendidos em supermercados dos EUA há presença de milho.
O império do milho tem graves conseqüências. A prática de monocultura nas regiões produtoras empobrece o solo. A cultura quase que exclusiva do milho em algumas regiões e exigências de produtividade cada vez maior geram dependência crescente de defensivos agrícolas (produtos químicos nem sempre muito saudáveis). Além disso, o sistema vai expulsando do campo ou convertendo em devedores crônicos os pequenos agricultores.E na roça, o império do milho não é um sucesso econômico. Flannery observa que no estado de Iowa, os agricultores gastam US$2,50 para produzir um bushel (medida agrícola americana semelhante ao nosso velho jacá) de milho, mas recebem dos moinhos apenas US$1,45 pela mesma medida do cereal. Para manter o esquema, o governo federal gasta milhões em subsídios agrícolas. [BTW, esse é um dos motivos de conflito comercial entre Brasil e EUA; a matriz quer que escancaremos completamente nossa economia mas não abre mão de sustentar o falido sistema dos seus milharais]
Um aspecto narrado pelo articulista mexe com nossa sensibilidade. Na maior parte dos casos, o gado de corte americano é estabulado. Ou seja, passa toda a sua vida de desenvolvimento e engorda de pé, preso e quase imóvel num espaço minúsculo, frente a um cocho. E adivinhem? Nos cochos a ração servida à vontade é baseada em milho. Os compostos alimentares desse cereal engordam o gado mais depressa. Mas, vacas e bois não são comedores de milho. Comem a gororoba porque estão presos frente ao cocho. Por causa de tal dieta, os bichos costumam ter muitos problemas estomacais. Solução: baterias de antibióticos. Uma outra coisa: estabulados noite e dia, bois e vacas vivem literalmente sobre suas próprias fezes. Essa circunstância aumenta muito o número e diversidade de bactérias no pelo dos bichos. Esse é um problema que exige cuidados especiais na hora de abater o gado para consumo. Riscos de contaminação da carne são muito maiores em bichos que vivem nos estábulos. Esse não é o único modo de produzir carne, os animais poderiam ser criados mais naturalmente, pastando em campos com boa variedade de gramíneas. Nos campos agrícolas da terra do Tio Sam, a diversidade de capins deu lugar a uma única grama: o milho. "Mas para que tanta grama diferente?" diria nosso presidente, imbuído pela neo-verdade liberal de que há um único caminho.
Depois de examinar os muitos males causados pela monocultura do milho nos EUA, Flannery mostra que a produção de alimentos não precisaria necessariamente acontecer nos moldes em que ela ocorre hoje no país do norte. Há alternativas mais sadias de produção de alimentos. Mas elas implicam em modelos diferentes de tamanho e manejo de propriedades rurais. Elas também eliminam boa parte da necessidade de itens alimentares que viajam centenas e até milhares de quilômetros para chegar ao consumidores. Eventualmente poderiam custar um pouco mais, caso não contassem com os generosos subsídios governamentais concedidos a produtores e indústria do milho. As produções alternativas de alimentos, obviamente, enfrentam grandes dificuldades. Apesar de se basearem em maior equilíbrio da Natureza e numa economia que dá mais espaço para negócios da comunidade local, elas vivem à míngua ou são vistas apenas como excentricidades de intelectuais desocupados.
Volto aos bagrinhos. O que tem a ver a história do milho com a filosofia do presidente? Tudo a ver. Lula está convencido de que não há alternativa, as barragens do Madeira precisam ser construídas. Junto com seus assessores e ministros não vê qualquer outra possibilidade de geração de energia. Fica com a solução única gestada pelos gênios neo- liberais aqui da terra. Além da questão econômica, os bagrinhos do Lula colocam a nu outro aspecto dos modelos hegemônicos: a vida importa muito pouco. Perder diversidade de espécies é para essa gente apenas um pequeno detalhe. Essa gente acha que pode colocar a Natureza de joelhos. E se pode a coloca. É muita arrogância ignorante. Por isso, sempre achei que todos os cidadãos, presidente da república incluso, deveriam saber mais biologia.
Se você chegou até aqui deve estar se perguntando o que este post faz num blog voltado para tecnologia educacional. Eu acho que o dito cujo está num espaço adequado. As duas histórias, a do bagrinho e a do milho, nos mostram diversos aspectos que têm tudo a ver com educação. Em primeiro lugar mostram como é importante o conhecimento de biologia, ciência muitas vezes marginalizada nos currículos escolares. Mostram que, em diversas instâncias de decisão política, nossas lideranças não pensam em alternativas nem abrem espaço para discussão sobre outros modos de encaminhamento. Saber disso e examinar as questões com conhecimento de causa são condições necessárias para exercício da cidadania. Ou, colocando as coisas de uma outra maneira, gente ignorante em ciências tem parte importante de sua cidadania alienada, achando que a história dos bagrinhos do Lula é apenas folclore, ou que o imenso milharal do nosso irmão do norte é uma fatalidade determinada por clima e economia. Nossos alunos estão aprendendo ciência suficiente para entender o significado da história dos bagrinhos, e os males biológicos e econômicos das monoculturas?

Friday, July 06, 2007

Uma hora sem celular


Proponho um desafio difícil: fique uma hora sem celular. Usuários do aparelhinho que os deixa ligados o tempo todo não estão prontos para tal sacrifício. Não vão querer desconectar-se, mesmo que seja por um período de apenas sessenta minutos. Exagero? Não. Muitos dos meus alunos são incapazes de tal gesto durante as aulas. Essa incapacidade vem sendo observada em cinemas, teatros, elevadores e até igrejas.
Dia quatro último, em sua coluna na Folha, Ruy Castro nota que dentro de um mês teremos um celular para cada dois habitantes da Terra. Ao dar tal notícia, Castro revela certo otimismo ao observar que "de cada duas pessoas no planeta, restará uma que não sente ânsias de comunicação o tempo todo, não aceita ficar disponível 24 horas por dia, e não corre o risco de constranger os artistas deixando seu aparelho tocar no meio da platéia do Teatro Municipal". Mais à frente, o autor confessa que tal otimismo não está bem fundamentado pois, logo após o empate entre os com e os sem celular, os primeiros começarão a ser maioria, uma vez que o ingresso de celulares no mercado continuará a crescer.
A ânsia comunicativa dos usuários de celular é um fenômeno relativamente novo. Há uns vinte anos ninguém sentia falta de uma ligação contínua. Hoje muita gente sequer pensa em separar-se do aparelhinho por alguns intantes. O novo hábito é objeto de muitas histórias folclóricas. Mas a ênfase em episódios engraçados ou ridículos acaba escondendo o principal: os usos do celular em nossa sociedade desqualificaram muitas outras formas de comunicação humana. Isso tem implicações éticas e educacionais importantes. Quando dão preferência à uma chamada no celular durante um papo num café, amigos nossos reclassificam as relações de amizade.
Não vou examinar situações em que a prioridade concedida a chamadas do celular sinaliza mudanças de significado em encontros humanos. Para encerrar, vou apenas revelar algumas das situções que me deixam irritado por serem extremamente mal educadas:
  • Atender ao celular, num elevador cheio de gente, e conversar livremente com o parceiro ou a parceira sobre a "ficada" de ontem.
  • Falar baixinho ao celular durante uma aula, possivelmente achando que os sussurros comunicativos não vão pertubar professor e colegas.
  • Colocar o aparelhinho ligado em lugar de destaque sobre a mesa onde será servido o jantar num restaurante bem transado.
  • Usar o aparelhinho durante caminhada num parque nas primeiras horas da manhã.
Se você se lembrar de mais situações irritantes, sinta-se à vontade para registrá-las aqui nos comentários.