Tuesday, October 30, 2007

Educação Moral

Depois de vinte e muitos anos, voltei a dar aulas de filosofia. Faz três anos que ando nessa estrada. Como a matéria é para estudantes do terceiro ano de pedagogia, decidi que seria adequado iniciar o pessoal em quatro áreas do pensamento filosófico muito relacionadas com educação: epistemologia, ética, antropologia e estética. No frigir dos ovos, o tempo é suficiente apenas para abordar as duas primeiras. E acho que já está de bom tamanho. Educadores devem ser sobretudo especialistas em conhecimento, daí a importância da epistemologia. E, é claro, ética é assunto que precisa penetrar profundamente no tecido educacional.
No processo de ensinar estou aprendendo muito, revisando velhos conhecimentos e, acima de tudo, fazendo algumas descobertas que gostaria de compartilhar com outros educadores. É possível que algumas de minhas descobertas não sejam novidades para educadores bem informados. Assim, algumas das coisas que me fascinaram recentemente podem ser apenas superação de minha ignorância. Revelo aqui uma delas. Preocupado em descobrir temas, autores e ênfases que pudessem encantar meus alunos acabei descobrindo um autor fundamental no campo de educação moral. Trata-se de Lawrence Kolhberg, psicólogo que elaborou uma proposta desenvolvimentista de educação moral que abre portas interessantes para a ética no espaço escolar. Traduzi um dos artigos de Kolhberg que mostra a importância de uma moral baseada em princípios, estabelece seis níveis de desenvolvimento do pensamento moral, e propõe estratégias muito adequadas para o uso de julgamentos morais como ferramenta para fazer avançar níveis de moralidade entre os estudantes. Vale a pena conhecer. Posso encaminhar, para estudo individual, cópia da tradução que fiz. Se você tiver interesse, pode me solicitar o material por meio de mail para jarbas@sdsualumni.org .

Monday, October 22, 2007

Maravilhas multissensoriais da geração internet


Imprensa e alguns acadêmicos apressados chamam nossa atenção para uma suposta capacidade desenvolvida pelos "nativos digitais" (a moçada que desde criancinha usa as novas tecnologias de informação e comunicação). Segundo as mencionadas fontes, nossos jovens são capazes de simultaneamente estudar, ver TV, curtir um som e navegar pela intenet. A lista de apelos multissensoriais atendidos ao mesmo tempo pode variar, mas sempre inclui pelo menos três itens. Da observação de que a nova geração estuda em ambientes com apelos multissensoriais alguns observadores chegam à conclusão de que nossas crias desenvolveram uma capacidade até então ausente: a capacidade de processar, ao mesmo tempo e com competência, diversas e disparatadas fontes de informação. Muita gente acredita nisso (confesso que já levei a sério a mencionada conclusão). Mas há aqui uma confusão: a partir do fato de que adolescentes de nosso tempo estudam (ou tentam estudar) cercados por muitas fontes ativas de informação ou entretenimento, chega-se à conclusão de que os pimpolhos estão processando tudo ao mesmo tempo. Mas os autores de tal afirmação não apresentam qualquer prova de um processamento multissensorial de sucesso. Muito menos fornecem quadros comparativos de resultados de aprendizagem entre estudantes que se concentram e estudantes que pegam no trampo com tudo ligado.
Essa questão mereceu um alerta recente de meu velho amigo Bernie Dodge. Entre outras coisas, Bernie observa de que apesar das muitas mudanças ambientais causadas pelos novos meios de informação e comunicação, não há qualquer evidência de que os cérebros de nossas crias tenham sofrido algum salto evolutivo. Assim, elas não têm qualquer capacidade diferente das capacidades de processamento de informação das gerações anteriores. Veja a matéria toda no blog do Bernie. O post do meu velho amigo faz duas referência que merecem uma olhada. A primeira é um post de Alex Dodge sobre o laptop como distrator, em vez de bom recurso para anotações, durante uma exposição. Alex, aluno de ciência do conhecimento num dos templos de alta tecnologia, a Universidade da Califórnia em SanDiego, não leva mais seu computador portátil para as aulas. E não pensem que Alex é algum luddita ou seguidor das idéias de Valdemar Setzer. Ele usa computadores desde os quatro anos de idade. As observações de Alex estão aqui. A segunda é um artigo on line de Jamie MacKenzie. Espero que este post agite um pouco o assunto. Se você chegou até aqui não deixe de comentar o tal fenômeno. Ainda há muita coisa que dizer sobre o dito cujo.

Wednesday, October 17, 2007

Tecnicismo bobo


O tecnicismo bobo se manifesta de várias formas. É fácil vê-lo em conversas de professores que se encantaram com máquinas e equipamentos, esquecendo-se de que gente é muito mais importante. Mas não vou falar aqui de educação e escolas. Vou falar de um caso de tecnicismo no campo da economia e do trabalho. Volta e meia aparece alguém criticando o excesso de feriados no Brasil. Tais críticas fundam-se e supostas necessidades econômicas de maior produção e mais produtividade. Parece coisa séria. E confesso que já achei que esse tipo de crítica tinha algum mérito.
Neste momento acabo de ler um trecho de The Myth of the Machine, de Lewis Mumford, no qual o autor faz uma defesa bem fundamentada dos dias santos na Idade Média. Em certas regiões da Europa, o número anual de dias santos ultrapassou a casa dos cento e cinquenta dias. Gente folgada? Não, gente que sabia que a vida não era só produzir. As muitas festas religiosas (quase sempre com atividades de música, teatro, dança e lazer) da Idade Média davam aos trabalhadores oportunidades de "gozar a vida". E a quantidade enorme de feriados na época não implicava em fome ou mais pobreza, a sociedade européia de então produzia mais do que o necessário.
Acusar os brasileiros de "folgados" e cobrar uma diminuição dos feriados nacionais, locais e dias santos é uma bobagem moralista de gente que, no fundo, vê o trabalho como uma atividade disciplinadora. Viver não é só produzir. Viver é, muito mais, gozar a vida.
Vale registrar que não somos um país de "folgados". Em média trabalhamos muito mais que diversos povos. E em algumas áreas nossos trabalhadores têm desempenhos excepcionais. Veja-se, por exemplo, o caso dos cortadores de cana. Mas isso não é nenhuma vantagem. Há bastante tempo o corte de cana deveria estar mecanizado (há tecnologia para tanto). Há quem alegue que o corte manual da cana garante empregos. Uma barbaridade. Um trabalho desumano é defendido como forma de garantir ocupação para uma parcela dos deserdados da sorte... Mas, com tanta tecnologia, será que não seria possível criar empregos mais decentes para gente que hoje se vê obrigada a bater recordes de produtividade nos canaviais brasileiros?
Há uma promessa antiga de que o progresso traria mais tempo livre. E o que vemos? Gente estressada, querendo fazer mais e mais, sem folgas, sem diversão,sem prazer de viver, sem jogar conversa fora, sem bater uma bolinha semanalmente, sem fandango, sem papos despreocupados comos amigos, sem umbigo encostado no balcão da padaria para tomar a saideira de sempre, sem um cineminha do bom, sem vadiagem numa praia qualquer, sem vida bem vivida enfim. Já é hora de discutir tal questão. Afinal de contas, parece que o avanço tecnológico de nossa época pode nos ajudar a diminuir significativamente o tempo de trampo para ganhar a existência. Com isso ganharíamos mais tempo livre, mais oportunidade de gozar a vida.